CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO "TEOLOGIA ARMINIANA: MITOS E REALIDADES", DE ROGER OLSON
Thiago Titillo*
Terminei
de ler hoje a obra "Teologia Arminiana: Mitos e Realidades"
(Editora Reflexão, 2013, 320 p.), do consagrado autor, Roger E.
Olson, que se tornou popular no Brasil após a publicação da sua
"História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradições e
reformas" (Editora Vida).
Tal
publicação é oportuna a fim de esclarecer o que verdadeiramente
ensina a teologia arminiana, tão comumente caricaturada por seus
oponentes calvinistas. O tom conciliatório de Olson ajuda a formar
um diálogo saudável.
Roger
Olson busca desconstruir 10 mitos comuns acerca do arminianismo
através da informação. Ei-los:
1)
A Teologia Arminiana é oposta à Teologia reformada-calvinista;
2)
É possível mesclar calvinismo e arminianismo;
3)
O arminianismo não é uma opção evangélica ortodoxa;
4)
O arminianismo tem como princípio fundamental o livre-arbítrio;
5)
O arminianismo nega a soberania de Deus;
6)
O arminianismo é uma teologia antropocêntrica;
7)
O arminianismo não é uma Teologia da Graça;
8
) O arminianismo nega a predestinação;
9)
O arminianismo nega a justificação pela graça através da fé
somente;
10)
Todos os arminianos creem na teoria governamental da expiação (Hugo
Grócio).
O primeiro mito é desconstruído à medida que é demonstrado que Armínio era reformado em sua teologia, divergindo apenas da ideia de que Deus predestinou a queda (o mal e o pecado) e elegeu incondicionalmente uma parcela da humanidade para a salvação, ignorando os demais. Armínio enfatizou a glória de Deus e usou a Teologia da Aliança (ou Federal). Entre os pontos comuns entre a teologia arminiana e calvinista, encontramos:
1)
a depravação total; 2) a necessidade absoluta da graça; 3) a
providência divina (com a diferença de não ser exaustiva e não
ter relação positiva com o mal); 4) a inspiração das Escrituras;
5) a cristologia; 6) a Trindade; 7) a justificação; etc. Pode-se
afirmar que uma teologia que afirma tais pontos esteja em total
oposição ao calvinismo reformado? É claro que há pontos
irreconciliáveis, mas no geral, tais teologias não são opostas
(mesmo que não sejam complementares), pelo contrário, guardam
muitas semelhanças. Afirmar, como fazem a maioria dos apologistas
calvinistas que o arminianismo é uma heresia, e compará-lo ao
semipelagianismo é, no mínimo, desonestidade intelectual!
O
segundo mito nega a possibilidade de uma teologia "calminiana",
justamente por ser impossível afirmar uma regeneração monergista e
sinergista ao mesmo tempo. É verdade que tanto os arminianos quanto
os calvinistas ensinam a predestinação e o livre-arbítrio
(contrário ao conceito popular de que o calvinismo ensina a
predestinação e nega o livre-arbítrio, e o arminianismo ensina o
livre-arbítrio e nega a predestinação), mas interpretam estes dois
conceitos de maneira diferente. Os calvinistas ensinam a
predestinação absoluta juntamente com a ideia de livre-arbítrio
compatibilista (uma forma de coaduná-lo com o determinismo divino),
enquanto os arminianos ensinam a predestinação (no sentido de
eleição soteriológica) conforme a presciência divina juntamente
com a ideia de arbítrio liberto (pela graça preveniente),
tornando-se livre-arbítrio libertário (capacidade de escolha
contrária).
O
terceiro mito é também desvendado. Armínio jamais negou os pontos
basilares da fé cristã ortodoxa. Que alguns arminianos posteriores
tenham se descambado para o semipelagianismo (ou mesmo o
pelagianismo), como o remonstrante Limborch, e posteriormente, o
avivalista Finney, isso não se nega. Mas tais não representam o
arminianismo clássico lançado por Armínio, seguido por Episcópio,
recuperado por John Wesley e seguido pela maioria dos metodistas
posteriores. Igualmente injusta é a ideia de que o arminianismo
conduz ao deísmo e à teologia liberal. Se isso aconteceu com
arminianos, não se pode esquecer que Schleiemarcher, pai da teologia
liberal, era calvinista. Quanto à acusação de que Armínio fosse
sociniano quanto à sua cristologia, basta ler suas obras para ver
que ele estava de acordo com a definição da Calcedônia (451).
Quanto
ao quarto mito, os próprios textos de Armínio dão conta de que o
princípio fundamental de sua teologia não é o livre-arbítrio
humano. Este é apenas uma consequência do fundamento de sua
teologia, a saber, o caráter justo e amável de Deus, que exige uma
resposta livre do ser humano a fim de que haja um relacionamento
genuíno entre criatura e Criador.
Sobre
o quinto mito, a teologia de Armínio não nega a soberania divina,
nega apenas que tal soberania seja exaustiva em relação a todos os
acontecimentos da história, incluindo o mal e a Queda (pecado), pois
desta forma Deus, inevitavelmente, seria autor do pecado. Ao
determinar criar seres livres, a possibilidade do mal torna-se real,
mas Deus não decreta o mal ativamente, de maneira que nesse caso o
decreto deve ser entendido apenas como permissivo. É claro que Deus
tem todo o poder para operar sua vontade antecedente (perfeita) em
toda sua criação, mas por valorizar um relacionamento genuíno com
sua criação, Ele não usa seu poder coercitivo. Um Imperador não
deve ser considerado soberano somente porque não determina
exaustivamente as decisões de seus súditos? Claro que toda analogia
é imperfeita. Mas pensemos noutra: imagine um navio com destino a um
determinado porto. As pessoas dentro do navio gozam de certa
liberdade, mas nada que possa impedir o navio de chegar ao seu
destino. Assim é a história governada por Deus: chegará ao seu
clímax final. Como diz Olson, Deus é soberano sobre sua soberania,
ou seja, Ele pode se limitar seu poder sem se tornar um "deus
menor". Nas palavras de Tozer, "um Deus soberano não teme
conceder liberdade à sua criação".
Quanto
ao sexto mito, a verdade é que o arminianismo confessa a completa e
total depravação do homem, de maneira que sua liberdade para
escolher o bem espiritual está totalmente arruinada. A vontade
humana é totalmente escravizada pelo pecado. As acusações de
semipelagianismo (mera fraqueza que retém ainda algum poder na
vontade) é uma tremenda inverdade. Pode ser que tal acusação se
baseie na leitura de Limborch, desertor do arminianismo clássico.
Mas dificilmente os calvinistas que leram Limborch não teriam acesso
a Armínio. Tal acusação é mais provavelmente fruto de uma
campanha que busca distorcer deliberadamente o pensamento do teólogo
holandês, como já acontecia em sua época, quando Francisco Gomaro
tomou à frente no projeto de caluniá-lo! A verdade é que a
teologia arminiana não é otimista quanto ao homem, mas como o
próprio Olson diz, é uma teologia otimista em relação à graça.
Sétimo
mito: dizer que a Teologia Arminiana não é uma Teologia da Graça
só por não afirmar a graça irresistível é querer monopolizar o
significado de graça. Para Armínio (e os arminianos clássicos), a
salvação do homem depende necessariamente da graça de Deus. O
homem é incapaz de salvar-se sem o auxílio da graça. A graça
preveniente (graça que vem antes) é necessária para libertar a
vontade e capacitar o homem a responder à oferta salvífica do
Evangelho. Em certo sentido, o primeiro raiar dessa graça é
irresistível, pois todos a recebem (para alguns arminianos todos a
recebem automaticamente em função da expiação de Cristo - Wesley
-; para outros tal graça só é recebida na medida em que o pecador
tem contato com a Palavra proclamada, o que exclui aqueles que não
tiveram contato com o Evangelho - Episcópio, p. 216). Num segundo
momento essa graça torna-se resistível, pois com o livre-arbítrio
liberto, o homem pode aceitá-la pela fé (que é dom de Deus, logo
não se trata de uma obra meritória), ou rejeitá-la. Assim, em toda
a salvação, a glória é somente de Deus, pois mesmo o ato de
aceitar tal graça não se trata de uma aceitação ativa, mas
passiva, um simples deixar sem resistência à atuação de Deus.
Oitavo
mito: A teologia de Armínio e de seus seguidores não nega a
predestinação, embora a entende de forma diferente do calvinismo.
Isso também se aplica aos calvinistas: eles não negam o
livre-arbítrio (embora alguns se sintam desconfortáveis com o
termo), mas interpretam-no de forma diferente. Armínio, inclusive,
defendeu uma predestinação que mais honra mais a pessoa de Jesus
Cristo do que a predestinação calvinista. Na ordem dos decretos
conforme a teologia calvinista, o decreto primário de Deus (ordem
lógica, não cronológica) é salvar uns e condenar outros
(supralapsarianismo), ou: 1º) criar; 2º) permitir a Queda; 3º)
eleger uns, ignorar o restante (todavia, mesmo que a reprovação
seja vista apenas como “ignorar” – decreto de omissão -, isso
não diminui a dupla-predestinação, pois a eleição incondicional
exige uma reprovação incondicional). Para Armínio, o primeiro
decreto e mais importante decreto divino foi estabelecer Jesus Cristo
como salvador dos pecadores. Na ordem dos decretos conforme o
calvinismo “Jesus Cristo parece aparecer como um decreto posterior
ao decreto primário de Deus de salvar alguns e condenar outros”
(p. 237). O segundo decreto conforme Armínio é aquele que Deus
decretou receber em favor os que se arrependem e creem em Cristo.
Nada mais cristocêntrico. Quanto à eleição, Armínio entendeu-a
condicional à fé, sendo que Deus elegeu aqueles que Ele anteviu que
não rejeitariam sua graça (preveniente e cooperante). Negou a
predestinação para o pecado e o mal, mas não a predestinação.
Nono
mito: Àqueles que negam a Armínio a justificação pela graça
somente através da fé deveriam ler urgentemente suas obras. Ele não
apenas defende que a justificação se dá através da fé, mas
afirma com os demais reformadores que a justiça de Cristo é
imputada sobre o crente quando este confia em Jesus para a salvação.
Poucos arminianos creem que a própria fé é imputada como justiça
(a fé como base da justificação, e não a justiça de Cristo), de
maneira que a fé possa ser entendida como resposta humana e base
para a justificação, tornando a justificação fruto de obra humana
(aí sim, trata-se de um sério desvio teológico!). Mas desvios
ocorrem dentro do calvinismo, ou todos os calvinistas concordam em
suas doutrinas (supralapsários x infralapsários; 5 pontos x 4
pontos; etc.)? Há inclusives calvinistas, como o Sproul Jr. que
afirmam ser Deus o autor do pecado, enquanto muitos negam, embora tal
negação esbarre na lógica! Há ainda arminianos que creem que por
causa (instrumental, e não eficaz) da fé, o crente é considerado
justo (sem pecado), mas tal justiça não é a justiça de Cristo
imputada (tal concepção não deve ser vista como um sério desvio,
mas uma interpretação, talvez, equivocada). Contudo, Armínio e boa
parte dos seus seguidores defendem que a justiça de Cristo é
imputada ao crente pela fé em Jesus. Essa também é a opinião de
Olson, e a minha!
Décimo
mito: Todo arminiano aceita a teoria de Grócio sobre a expiação.
Armínio e Wesley não a defenderam. Pelo contrário, criam na
substituição penal. Trata-se de mais um embuste da campanha
difamatória!
Apenas um adendo: Preocupou-me a opinião do Olson, um teólogo conservador, acerca do teísmo aberto. Ele pareceu flertar com essa teologia: "Eu considero o teísmo aberto uma opção evangélica legítima e arminiana, mesmo que eu AINDA não a tenha adotado como minha própria perspectiva" (nota de rodapé 65, pp. 256-257). O advérbio de tempo "ainda" causou-me estranheza. Na p. 258, ele diz: "Por sentir o peso da crítica do teísmo aberto feita ao arminianismo clássico, eu permaneço um arminiano clássico esperando ajudar a aliviar o paradoxo da filosofia" (nota de rodapé 67).
Na
verdade, o "peso da crítica do teísmo aberto feita ao
arminianismo clássico" está longe de ser pesado! O argumento é
que se conhece exaustivamente o futuro (presciência; onisciência)
todas as ações livres que acontecerão, de fato, acontecerão da
forma como Deus viu, não podendo acontecer de forma contrária, o
que na perspectiva do teísmo aberto, faz com que tais decisões não
sejam livres. Mas será que essa lógica é irresistível? Não penso
assim. O fato de Deus conhecer infalivelmente que X fará A e não B,
não indica que Deus assim determinou, mas que Deus conheceu
eternamente a ação livre de X. Agostinho já havia refutado tal
ideia em seu diálogo com Evódio ("O livre-arbítrio"). Um
dos maiores filósofos cristãos da atualidade, Alvin Plantinga,
também não vê nenhuma contradição entre o livre-arbítrio
libertário e a onisciência absoluta de Deus.
*Thiago Titillo
-
Licenciado em Letras (Português-Literatura) pela Universidade
Estácio de Sá;
-
Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Betel, Rio de
Janeiro;
-
Pós-Graduando (lato sensu) em Teologia Bíblica e
Sistemática-Pastoral pela Faculdade Batista do Rio de Janeiro.
-
Professor de Português e Literatura (Ensino Médio) da rede estadual
de ensino (RJ);
-
Professor de Teologia Sistemática, Teologia do Novo Testamento,
História da Igreja e Português da Faculdade de Teologia Wittenberg;
-
Professor de Ensino Religioso (Ensino Fundamental II) do Colégio
Souza Marques.
-
Pastor Batista (Convenção Batista Brasileira);
-
Diretor de Educação Religiosa da Primeira Igreja Batista em
Botafogo, Rio de Janeiro.
______
OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades; tradução Pr.Wellington Carvalho Mariano. São Paulo: Editora Reflexão, 2013.
OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades; tradução Pr.Wellington Carvalho Mariano. São Paulo: Editora Reflexão, 2013.