Ideário arminiano. Abordagens sobre a teologia clássica de Jacó Armínio: suas similaridades, vertentes, ambivalências e divergências.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Considerações sobre o Livro "Teologia Arminiana: Mitos e Realidades" de Roger Olson

CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO "TEOLOGIA ARMINIANA: MITOS E REALIDADES", DE ROGER OLSON
Thiago Titillo*

Terminei de ler hoje a obra "Teologia Arminiana: Mitos e Realidades" (Editora Reflexão, 2013, 320 p.), do consagrado autor, Roger E. Olson, que se tornou popular no Brasil após a publicação da sua "História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradições e reformas" (Editora Vida).

Tal publicação é oportuna a fim de esclarecer o que verdadeiramente ensina a teologia arminiana, tão comumente caricaturada por seus oponentes calvinistas. O tom conciliatório de Olson ajuda a formar um diálogo saudável.

Roger Olson busca desconstruir 10 mitos comuns acerca do arminianismo através da informação. Ei-los:

1) A Teologia Arminiana é oposta à Teologia reformada-calvinista;
2) É possível mesclar calvinismo e arminianismo;
3) O arminianismo não é uma opção evangélica ortodoxa;
4) O arminianismo tem como princípio fundamental o livre-arbítrio;
5) O arminianismo nega a soberania de Deus;
6) O arminianismo é uma teologia antropocêntrica;
7) O arminianismo não é uma Teologia da Graça;
8 ) O arminianismo nega a predestinação;
9) O arminianismo nega a justificação pela graça através da fé somente;
10) Todos os arminianos creem na teoria governamental da expiação (Hugo Grócio).

O primeiro mito é desconstruído à medida que é demonstrado que Armínio era reformado em sua teologia, divergindo apenas da ideia de que Deus predestinou a queda (o mal e o pecado) e elegeu incondicionalmente uma parcela da humanidade para a salvação, ignorando os demais. Armínio enfatizou a glória de Deus e usou a Teologia da Aliança (ou Federal). Entre os pontos comuns entre a teologia arminiana e calvinista, encontramos:

1) a depravação total; 2) a necessidade absoluta da graça; 3) a providência divina (com a diferença de não ser exaustiva e não ter relação positiva com o mal); 4) a inspiração das Escrituras; 5) a cristologia; 6) a Trindade; 7) a justificação; etc. Pode-se afirmar que uma teologia que afirma tais pontos esteja em total oposição ao calvinismo reformado? É claro que há pontos irreconciliáveis, mas no geral, tais teologias não são opostas (mesmo que não sejam complementares), pelo contrário, guardam muitas semelhanças. Afirmar, como fazem a maioria dos apologistas calvinistas que o arminianismo é uma heresia, e compará-lo ao semipelagianismo é, no mínimo, desonestidade intelectual!

O segundo mito nega a possibilidade de uma teologia "calminiana", justamente por ser impossível afirmar uma regeneração monergista e sinergista ao mesmo tempo. É verdade que tanto os arminianos quanto os calvinistas ensinam a predestinação e o livre-arbítrio (contrário ao conceito popular de que o calvinismo ensina a predestinação e nega o livre-arbítrio, e o arminianismo ensina o livre-arbítrio e nega a predestinação), mas interpretam estes dois conceitos de maneira diferente. Os calvinistas ensinam a predestinação absoluta juntamente com a ideia de livre-arbítrio compatibilista (uma forma de coaduná-lo com o determinismo divino), enquanto os arminianos ensinam a predestinação (no sentido de eleição soteriológica) conforme a presciência divina juntamente com a ideia de arbítrio liberto (pela graça preveniente), tornando-se livre-arbítrio libertário (capacidade de escolha contrária).

O terceiro mito é também desvendado. Armínio jamais negou os pontos basilares da fé cristã ortodoxa. Que alguns arminianos posteriores tenham se descambado para o semipelagianismo (ou mesmo o pelagianismo), como o remonstrante Limborch, e posteriormente, o avivalista Finney, isso não se nega. Mas tais não representam o arminianismo clássico lançado por Armínio, seguido por Episcópio, recuperado por John Wesley e seguido pela maioria dos metodistas posteriores. Igualmente injusta é a ideia de que o arminianismo conduz ao deísmo e à teologia liberal. Se isso aconteceu com arminianos, não se pode esquecer que Schleiemarcher, pai da teologia liberal, era calvinista. Quanto à acusação de que Armínio fosse sociniano quanto à sua cristologia, basta ler suas obras para ver que ele estava de acordo com a definição da Calcedônia (451).

Quanto ao quarto mito, os próprios textos de Armínio dão conta de que o princípio fundamental de sua teologia não é o livre-arbítrio humano. Este é apenas uma consequência do fundamento de sua teologia, a saber, o caráter justo e amável de Deus, que exige uma resposta livre do ser humano a fim de que haja um relacionamento genuíno entre criatura e Criador.

Sobre o quinto mito, a teologia de Armínio não nega a soberania divina, nega apenas que tal soberania seja exaustiva em relação a todos os acontecimentos da história, incluindo o mal e a Queda (pecado), pois desta forma Deus, inevitavelmente, seria autor do pecado. Ao determinar criar seres livres, a possibilidade do mal torna-se real, mas Deus não decreta o mal ativamente, de maneira que nesse caso o decreto deve ser entendido apenas como permissivo. É claro que Deus tem todo o poder para operar sua vontade antecedente (perfeita) em toda sua criação, mas por valorizar um relacionamento genuíno com sua criação, Ele não usa seu poder coercitivo. Um Imperador não deve ser considerado soberano somente porque não determina exaustivamente as decisões de seus súditos? Claro que toda analogia é imperfeita. Mas pensemos noutra: imagine um navio com destino a um determinado porto. As pessoas dentro do navio gozam de certa liberdade, mas nada que possa impedir o navio de chegar ao seu destino. Assim é a história governada por Deus: chegará ao seu clímax final. Como diz Olson, Deus é soberano sobre sua soberania, ou seja, Ele pode se limitar seu poder sem se tornar um "deus menor". Nas palavras de Tozer, "um Deus soberano não teme conceder liberdade à sua criação".

Quanto ao sexto mito, a verdade é que o arminianismo confessa a completa e total depravação do homem, de maneira que sua liberdade para escolher o bem espiritual está totalmente arruinada. A vontade humana é totalmente escravizada pelo pecado. As acusações de semipelagianismo (mera fraqueza que retém ainda algum poder na vontade) é uma tremenda inverdade. Pode ser que tal acusação se baseie na leitura de Limborch, desertor do arminianismo clássico. Mas dificilmente os calvinistas que leram Limborch não teriam acesso a Armínio. Tal acusação é mais provavelmente fruto de uma campanha que busca distorcer deliberadamente o pensamento do teólogo holandês, como já acontecia em sua época, quando Francisco Gomaro tomou à frente no projeto de caluniá-lo! A verdade é que a teologia arminiana não é otimista quanto ao homem, mas como o próprio Olson diz, é uma teologia otimista em relação à graça.

Sétimo mito: dizer que a Teologia Arminiana não é uma Teologia da Graça só por não afirmar a graça irresistível é querer monopolizar o significado de graça. Para Armínio (e os arminianos clássicos), a salvação do homem depende necessariamente da graça de Deus. O homem é incapaz de salvar-se sem o auxílio da graça. A graça preveniente (graça que vem antes) é necessária para libertar a vontade e capacitar o homem a responder à oferta salvífica do Evangelho. Em certo sentido, o primeiro raiar dessa graça é irresistível, pois todos a recebem (para alguns arminianos todos a recebem automaticamente em função da expiação de Cristo - Wesley -; para outros tal graça só é recebida na medida em que o pecador tem contato com a Palavra proclamada, o que exclui aqueles que não tiveram contato com o Evangelho - Episcópio, p. 216). Num segundo momento essa graça torna-se resistível, pois com o livre-arbítrio liberto, o homem pode aceitá-la pela fé (que é dom de Deus, logo não se trata de uma obra meritória), ou rejeitá-la. Assim, em toda a salvação, a glória é somente de Deus, pois mesmo o ato de aceitar tal graça não se trata de uma aceitação ativa, mas passiva, um simples deixar sem resistência à atuação de Deus.

Oitavo mito: A teologia de Armínio e de seus seguidores não nega a predestinação, embora a entende de forma diferente do calvinismo. Isso também se aplica aos calvinistas: eles não negam o livre-arbítrio (embora alguns se sintam desconfortáveis com o termo), mas interpretam-no de forma diferente. Armínio, inclusive, defendeu uma predestinação que mais honra mais a pessoa de Jesus Cristo do que a predestinação calvinista. Na ordem dos decretos conforme a teologia calvinista, o decreto primário de Deus (ordem lógica, não cronológica) é salvar uns e condenar outros (supralapsarianismo), ou: 1º) criar; 2º) permitir a Queda; 3º) eleger uns, ignorar o restante (todavia, mesmo que a reprovação seja vista apenas como “ignorar” – decreto de omissão -, isso não diminui a dupla-predestinação, pois a eleição incondicional exige uma reprovação incondicional). Para Armínio, o primeiro decreto e mais importante decreto divino foi estabelecer Jesus Cristo como salvador dos pecadores. Na ordem dos decretos conforme o calvinismo “Jesus Cristo parece aparecer como um decreto posterior ao decreto primário de Deus de salvar alguns e condenar outros” (p. 237). O segundo decreto conforme Armínio é aquele que Deus decretou receber em favor os que se arrependem e creem em Cristo. Nada mais cristocêntrico. Quanto à eleição, Armínio entendeu-a condicional à fé, sendo que Deus elegeu aqueles que Ele anteviu que não rejeitariam sua graça (preveniente e cooperante). Negou a predestinação para o pecado e o mal, mas não a predestinação.

Nono mito: Àqueles que negam a Armínio a justificação pela graça somente através da fé deveriam ler urgentemente suas obras. Ele não apenas defende que a justificação se dá através da fé, mas afirma com os demais reformadores que a justiça de Cristo é imputada sobre o crente quando este confia em Jesus para a salvação. Poucos arminianos creem que a própria fé é imputada como justiça (a fé como base da justificação, e não a justiça de Cristo), de maneira que a fé possa ser entendida como resposta humana e base para a justificação, tornando a justificação fruto de obra humana (aí sim, trata-se de um sério desvio teológico!). Mas desvios ocorrem dentro do calvinismo, ou todos os calvinistas concordam em suas doutrinas (supralapsários x infralapsários; 5 pontos x 4 pontos; etc.)? Há inclusives calvinistas, como o Sproul Jr. que afirmam ser Deus o autor do pecado, enquanto muitos negam, embora tal negação esbarre na lógica! Há ainda arminianos que creem que por causa (instrumental, e não eficaz) da fé, o crente é considerado justo (sem pecado), mas tal justiça não é a justiça de Cristo imputada (tal concepção não deve ser vista como um sério desvio, mas uma interpretação, talvez, equivocada). Contudo, Armínio e boa parte dos seus seguidores defendem que a justiça de Cristo é imputada ao crente pela fé em Jesus. Essa também é a opinião de Olson, e a minha!

Décimo mito: Todo arminiano aceita a teoria de Grócio sobre a expiação. Armínio e Wesley não a defenderam. Pelo contrário, criam na substituição penal. Trata-se de mais um embuste da campanha difamatória!

Apenas um adendo: Preocupou-me a opinião do Olson, um teólogo conservador, acerca do teísmo aberto. Ele pareceu flertar com essa teologia: "Eu considero o teísmo aberto uma opção evangélica legítima e arminiana, mesmo que eu AINDA não a tenha adotado como minha própria perspectiva" (nota de rodapé 65, pp. 256-257). O advérbio de tempo "ainda" causou-me estranheza. Na p. 258, ele diz: "Por sentir o peso da crítica do teísmo aberto feita ao arminianismo clássico, eu permaneço um arminiano clássico esperando ajudar a aliviar o paradoxo da filosofia" (nota de rodapé 67).

Na verdade, o "peso da crítica do teísmo aberto feita ao arminianismo clássico" está longe de ser pesado! O argumento é que se conhece exaustivamente o futuro (presciência; onisciência) todas as ações livres que acontecerão, de fato, acontecerão da forma como Deus viu, não podendo acontecer de forma contrária, o que na perspectiva do teísmo aberto, faz com que tais decisões não sejam livres. Mas será que essa lógica é irresistível? Não penso assim. O fato de Deus conhecer infalivelmente que X fará A e não B, não indica que Deus assim determinou, mas que Deus conheceu eternamente a ação livre de X. Agostinho já havia refutado tal ideia em seu diálogo com Evódio ("O livre-arbítrio"). Um dos maiores filósofos cristãos da atualidade, Alvin Plantinga, também não vê nenhuma contradição entre o livre-arbítrio libertário e a onisciência absoluta de Deus.

*Thiago Titillo 
- Licenciado em Letras (Português-Literatura) pela Universidade Estácio de Sá;
- Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Betel, Rio de Janeiro;
- Pós-Graduando (lato sensu) em Teologia Bíblica e Sistemática-Pastoral pela Faculdade Batista do Rio de Janeiro.

- Professor de Português e Literatura (Ensino Médio) da rede estadual de ensino (RJ);
- Professor de Teologia Sistemática, Teologia do Novo Testamento, História da Igreja e Português da Faculdade de Teologia Wittenberg;
- Professor de Ensino Religioso (Ensino Fundamental II) do Colégio Souza Marques.

- Pastor Batista (Convenção Batista Brasileira);
- Diretor de Educação Religiosa da Primeira Igreja Batista em Botafogo, Rio de Janeiro.
______
OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades; tradução Pr.Wellington Carvalho Mariano. São Paulo: Editora Reflexão, 2013.

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Como Jacobus Arminius acredito que: "As Escrituras são a regra de toda a verdade divina, de si, em si, e por si mesmas.[...] Nenhum escrito composto por Homens, seja um, alguns ou muitos indivìduos à exceção das Sagradas Escrituras[...] está isento de um exame a ser instituído pelas Escrituras. É tirania, papismo, controlar a mente dos homens com escritos humanos e impedir que sejam legitimamente examinados, seja qual for o pretexto adotado para a tal conduta tirânica." (Jacobus Arminius) - Contato: lailsoncastanha@yahoo.com.br

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