Coerência e incoerências entre a vida -, religião, dogmas, doutrinas e teologias.
Quando indagamos – o que Deus deseja de mim? - ou mesmo, o que devo fazer? - o que devo escolher? - implicitamente, consciente ou inconscientemente estamos a admitir que certas possibilidades estão abertas, de tal forma que se atualizam ou estão a se atualizar, de acordo com a nossa postura. Até mesmo as pessoas fatalistas, que acreditam em certo determinismo cósmico, em sua vivência cotidiana, não suprimem as indagações – o que devo fazer? - o que devo escolher?- e, até mesmo, diante dessas indagações, diligentemente refletem, visando praticar escolhas de maneira mais consciente, tomando atitudes que melhor consequência resultará em sua vida.
Quando perguntamos - O que Deus quer de mim? - implicitamente perguntamos – o que devo fazer para agradá-lo? Perguntando - o que Deus quer de mim?- estamos a admitir que Deus queira de mim alguma coisa que ainda não foi realizada, e a nossa preocupação em entender o querer de Deus, implica na possibilidade de não atentarmos para o seu desejo, e consequentemente não cumprir o seu querer. Se não fosse assim, não nos preocuparíamos.
Entramos nesse questionamento com a intenção de destacar que muitas ideias tidas como bíblicas e adotadas por muita gente, não alcançam equivalência na vida real. Fala-se, por exemplo, que Deus tudo determinou, porém, na prática, o dogma assumido não é levado as suas últimas consequências. Como qualquer pessoa que crê que as possibilidades ainda estão abertas, aquelas que dizem acreditar no controle determinista absolutista de Deus, controle que não leva em consideração escolhas e práticas humanas, controle que, de tão absoluto selou a vida de cada pessoa, inclusive preordenando cada ato e cada escolha, não deixam de se preocupar com suas atitudes e com suas escolhas. Como quaisquer pessoas, aquelas que reafirmam o controle determinista de Deus, lutam para que suas ideias sejam aceitas, inclusive sua ideologia filosófica-teológica.
A aceitação da ideia de um Deus absolutamente determinista cria uma série de problemas, e consequentemente, invalida uma série de posturas. Por exemplo, aceitando que Deus é absolutamente determinista, logicamente deve-se aceitar que em Deus não existe vontade, pois diante de seu determinismo absolutista, tudo é - sendo assim, não existe espaço para o desejo ou vontade. Para um Deus absolutamente determinista, tudo está posto, por isso não existe a necessidade de chamada de atenção, pois tudo o que é, está determinado por sua autoridade absolutista/determinista.
Quanto às posturas, é incoerente com o conceito “'Deus - ser soberano, que, como tal, absolutamente determinista tudo” - a ação consciente de arrepender-se, preocupar-se, pedir, desejar agradá-lo, buscar agradá-lo, refletir, tencionar, planejar. Se cremos no determinismo absoluto, logo, devemos acreditar que tudo o que nos ocorre, tudo o que temos ou o que não temos, tudo o que sabemos ou que deixamos de saber, em uma frase, tudo o que possuímos ou deixemos de possuir – foi dantes determinado, portanto cada atitude que visa fugir a essa determinação, é incoerente com o dogma professado que conceitua Deus como “ser soberano, que, como tal, que como absolutamente determina tudo”. Adorando um Deus com as características afirmadas por tal dogma, invalidamos nossa reverência e adoração, quando, e, por exemplo – planejamos nossas vidas ou conscientemente nos esforçamos ou mesmo nos preocupamos com a consequência que cada ação tomada nos resultará. Se intentarmos ser coerentes a reverência e adoração a um Deus absolutamente determinista –, devemos sempre, e apenas, nos resignar diante das coisas que nos ocorrem, aceitando-as - sem tentar conscientemente mudar o curso ou planejar nossas ações intentando o alcance de um fim desejado.
Toda e qualquer pessoa que não se conforma com sua sorte, inclusive com o pecado praticado ou com o agravo a graça de Deus, não pode professar a doutrina que apresenta Deus como “ser soberano, que, como tal, absolutamente determinista tudo” e ao mesmo tempo ser coerente. Não existe nenhuma coerência entre a profissão desse dogma, que conceitua Deus como “ser soberano, que, como tal, absolutamente determinista tudo” com posturas como, e, por exemplo, preocupação com o curso da vida, arrependimento de pecados, etc.
Não é válida a atitude de professar uma doutrina, defendendo-a, lutando por ela, sem encarná-la na vida prática e diária. Ou aceitamos a doutrina que apresenta Deus como “ser soberano, que, como tal, absolutamente determinista tudo” nos resignando diante de tudo o que nos ocorre, aceitando passivamente o influxo da força que nos domina, ou, caso nos preocupemos com a nossa sorte, não conseguindo aceitar o pecado - o mal que fazemos e que não queremos fazer (Rm 7.19) -, procuremos conhecer o compassivo Deus de amor, que amou o mundo de tal forma, chegando ao ponto de entregar o seu filho em benefício de muitos, que chama todos ao arrependimento, e que nos apresenta um advogado junto ao Pai, para nos defender do erro que praticamos e que, na opção por Cristo, rejeitamos. Acolhemos então o Cristo que julgará a cada um segundo as suas obras, que, manifestando sua graça a todos os homens, sem acepção, verdadeiramente e efetivamente dá oportunidade a todos, de toda raça, tribo ou nação. Crendo que Deus realmente é um Deus de amor, estamos adotando, consciente ou inconscientemente a interpretação doutrinária/teológica que apresenta Deus como um ser justo, que julga efetivamente cada um, segundo as suas obras, e, por conseguinte, os julga segundo as nossas reais escolhas e possibilidades.
Lailson Castanha