Ideário arminiano. Abordagens sobre a teologia clássica de Jacó Armínio: suas similaridades, vertentes, ambivalências e divergências.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Vacuidade teológica e sistemática.

Vacuidade teológica e sistemática.

As questões de ordem soteriológicas estão envolvidas em ambiguidades e paradoxos. Em meio a essas questões, muitas premissas são afirmadas e defendidas calorosamente, quase como certeza indubitável, porém, uma série delas não desemboca em conclusões coerentes.

A Teologia Reformada, primeiramente na figura de João Calvino, se preocupou em sistematizar seus argumentos teológicos, buscando, através dessa construção sistemática, organizar sua teologia. Embora que, com essa preocupação, o famoso teólogo francês não tenha se valido integralmente da lógica formal, a preocupação em construir argumentos sólidos é visível. Por exemplo, nas Institutas percebe-se Calvino se desgastando em ordenar suas ideias. Com os filósofos reformados contemporâneos a tentativa continua, por exemplo, vê-se entre eles a preocupação em construir argumentos filosóficos a fim de corroborar as teses reformadas.

Apesar de a sistematização ser muito importante, ela nem sempre é eficaz para impedir falhas argumentativas, ou, inadequação sistemática. A sistematização nem sempre preenche o vácuo aberto por uma questão, em outras palavras, nem sempre, a construção sistemática de um ideário filosófico/teológico consegue solucionar todos os problemas que se levantam, pelo contrário, muitas vezes, para manter a construção em pé, alguns problemas são simplesmente ignorados, ou, evitados. Uma das questões pouco abordada se refere aos atributos não perdido pelo homem após a queda.

Apesar de muito se falar sobre a queda, pouco se problematiza sobre a ausência de os seus efeitos em alguns aspectos. Na maioria das vezes, quando se problematiza a questão, ela é trabalhada apenas sobre perspectivas viciadas.

Fala-se que o homem, sendo um ser caído pelo pecado, é incapaz de exercer escolhas efetivas. Fala-se também, que sendo Deus soberano - o homem não pode ter livre-arbítrio. Para sairmos da tendência de nos apegarmos às respostas teologicamente viciadas, uma indagação se faz pertinente, a saber: Por que, entre os reformados, se admite que a queda acabou com o livre-arbítrio, como consequência natural do pecado, e não se questiona o porque que, em nossa natureza caída, ainda permanece viva e ativa a nossa capacidade de pensar, raciocinar, refletir, ou duvidar? Por que, tem-se por inadmissível a possibilidade de um ser soberano conviver com o livre arbítrio de suas criaturas, mas admite-se o fato de as criaturas, mesmo caídas terem o poder de duvidar de esse ser soberano? Por que se admite com tanta puerilidade que a perda da capacidade de exercer o livre-arbítrio após o pecado é a conseqüência natural do pecado praticado pelo ser humano, sem problematizar o porquê a capacidade de pensar, raciocinar, refletir, ou duvidar não foi perdida na queda? O que seria a dúvida? O que, a nossa capacidade de duvidar pode nos indicar?

O filósofo francês Jean Lacroix, encontra na dúvida, um traço do livre arbítrio. Ele afirma: “A dúvida é sempre possível porque a ideia não se afirma jamais em nós sem nós, porque o assentimento depende sempre de nosso querer, porque nossa atenção é livre”(1) E em outro momento afirma:

“É, portanto, em minha capacidade de recusa e de não adesão, em meu poder de negação, em minha negatividade, como teria dito Hegel, nesta potência em escapar a todas as vertigens, que Renovier chamava de “nolonté”(2), que se manifesta antes de tudo minha liberdade: ser livre é ser capaz de dizer não. A dúvida representa o exercício mesmo do livre arbítrio e sua prova primeira e fundamental, pois permite romper o contato e tomar posição. Antes da dúvida, eu estou como se não existisse, vivendo confusamente em um mundo de aparências, prevenido pela vida do corpo ou da sociedade, movido por uma espécie de opinião, de origem sensorial ou social, que não depende de mim e que de maneira alguma me expressa”.(3)

Será que realmente podemos afirmar com Lacroix que “a dúvidas representa o exercício mesmo do livre arbítrio e sua prova primeira e fundamental”? – Sem o livre arbítrio, a dúvida seria possível? Posso duvidar de Deus, não sendo capaz de pensar de maneira livre? - Antes de consumar o pecado, qual foi o fenômeno que incitou o pecado do primeiro casal? – Não foi à dúvida? Se cressem realmente, efetivamente, integralmente, sem nenhuma dúvida pairando em suas mentes, sobre as consequências advertidas por Deus pela prática de seus atos desobedientes, teriam Adão e Eva desobedecidos. No primeiro casal, o ato de duvidar, não estava enredado no ato de exercer o livre-arbítrio?

Elias, o profeta do Senhor, estando por apresentar o poder de Deus diante de um Israel idólatra, faz a seguinte asseveração: “Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o SENHOR é Deus, segui-o, e se Baal, segui-o.” (1Rs 18.21). Quando Elias apresenta o quadro de um Israel coxeante ele está a apresentar a figura de um povo hesitante e duvidoso, um povo que não sabe bem ao certo qual deus deve seguir. Um povo hesitante entre deuses, é um povo que duvida, pelo menos em certo grau, da capacidade dos deuses que se lhe foi apresentado. Um povo que duvida, pelo menos em última análise, é um povo que não aceita uma ideia imposta; a dúvida pressupõe desejo de praticar uma escolha ou de alcançar a verdade. Diante da dúvida do povo de Israel, o que faz Elias? – Convida o povo a praticar uma escolha: Se o SENHOR é Deus, segui-o, e se Baal, segui-o. No epsódio descrito, a dúvida caminha junto com o livre arbítrio. O que faz Elias diante de um povo coxente e duvidoso? Depois do convite, através de uma desafio aos profetas de Baal, apresenta a nulidade do deus Baal, e a eficácia e o poder do Deus de Israel,a fim de que a dúvida se desfaça, e o povo escolha o Deus de Israel.

A dúvida não indica busca por uma escolha? Se não temos o livre arbítrio, por que duvidamos, ou, como duvidamos? Se não fossemos livres para escolher entre uma ideia e outra – duvidaríamos do que nos é apresentado? Portanto, que sentido faria o livre arbítrio ser aniquilado após a queda, permanecendo no homem a capacidade de duvidar? Se realmente foi banido o livre-arbitrio, não seria também banida a dúvida, que em muitos casos afronta a revelação de Deus e que faz o homem questionar sua revelação, inclusive, homens participantes da nação escolhida, orientada e invsitida para divulgar seu nome? (Is 5.4) Se admitimos que na queda o homem perdeu a possibilidade de vivenciar escolhas efetivas, como fruto do pecado, pois a imagem e semelhança de Deus foi no homem anuviada, ou mesmo perdida, como preferem alguns, por que não estranhamos que o mesmo pecado não aniquilou ou encobriu nossa capacidade pensar, criar e refletir, como ocorreu com nosso livre-arbítrio; não são também esses atributos aspectos da imagem e semelhança de Deus?

Quando falamos de conclusões incorentes, como isso estamos a falar nas brechas abertas nos sistemas de ideias que impossibilitam entres suas assertivas o assento da lógica. Como exemplo, vejamos o que está escrito nos Cânones de Dort (1618-1619):

“(...)De acordo com este decreto, Ele graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a crer. Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo seu justo juízo, Ele deixa os não-eleitos em sua própria maldade e dureza. E aqui especialmente nos é manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre os homens que estão na mesma condição de perdição. Este é o decreto da eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. Ainda que os homens perversos, impuros e instáveis o deturpem, para sua própria perdição, ele dá um inexprimível conforto para as pessoas santas e tementes a Deus.

Esta eleição é o imutável propósito de Deus, pelo qual Ele, antes da fundação do mundo, escolheu um número grande e definido de pessoas para a salvação, por graça pura. Estas são escolhidas de acordo com o soberano bom propósito de sua vontade, dentre todo o gênero humano, decaído pela sua própria culpa de sua integridade original para o pecado e a perdição.”

Observe estas palavras:

“Esta eleição é o imutável propósito de Deus, pelo qual Ele, antes da fundação do mundo, escolheu um número grande e definido de pessoas para a salvação, por graça pura”.

Compare com estas:

“Estas são escolhidas de acordo com o soberano bom propósito de sua vontade,dentre todo o gênero humano, decaído pela sua própria culpa de sua integridade original para o pecado e a perdição.”

Pode haver sentido lógico em um ideário que afirma que “Deus, antes da fundação do mundo, escolheu um número grande e definido de pessoas para a salvação, por graça pura” e também que o “gênero humano, é decaído pela sua própria culpa de sua integridade original para o pecado e a perdição.” - Se Deus já havia decretado os eleitos, antes da fundação do mundo, também já não havia, antes da fundação do mundo, banido da possibilidade da salvação as outras pessoas não incluídas na eleição? E se assim ocorreu, as pessoas reprovadas antes da fundação do mundo, podem, com justiça e coerência, serem acusadas pela sua má conduta? Se já haviam sido reprovadas antes de serem feitas ou de cometerem qualquer ato, que culpa podem levar se, por já serem antes da fundação do mundo não eleitas, não foram disponibilizadas de capacidade para agir de maneira diferente do que foram? Podem ser acusadas com justiça? Existe lógica na acusação? Existe lógica na construção dessa idéias?

Vários exemplos como esses de incoerência ideológica permeiam os sistemas teológicos adotados por várias comunidades eclesiásticas ou individualmente por muitos cristãos. Um sistema que não consegue coerentemente afirmar seus caminhos é um sistema sem direção. Um sistema de ideias que em seu entorno não apresenta aos seus seguidores respostas aos problemas levantados, pode até ser belo em vários aspectos, porém, se em muitas questões não consegue apresentar respostas plausíveis, nele percebe-se então, não a solidez ideativa, e sim, a vacuidade. O problema é que, preso nas construções sistemáticas, as pessoas nela envolvidas não conseguem perceber os espaços que ele não preenche. Envolvidas e acomodadas em certos sistemas de idéias, e por essa acomodação, não procura enfrentar questões que se apresentam, e até mesmo que os contradigam, por não conseguirem perceber as questões que ele nem aborda, nem problematiza, e, muito menos, e, por conseguinte, não soluciona.

Só podemos perceber possíveis problemas não resolvidos, se, com seriedade intelectual, perscrutarmos o sistema que adotamos a fim de perceber se ele está mais próximo da coerência ou da impropriedade. Essa prática deve ser uma prática obrigatória para todos aqueles que são chamados a praticar um culto racional e estar sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que pedir a razão da esperança em que se apegam (1 Pe.3:15).

Se o povo de Deus se perdeu por falta de conhecimento, devemos buscar, com auxílio da graça, conhecimento para seguir um caminho que melhor apresenta Deus, ou seja, a trilha de Cristo, que se apresenta como um Deus de amor, justo e bom, que não faz acepção de pessoas, e que julgará a cada um, realmente, segundo as suas obras, evitando seguir um caminho que apresenta um deus desfigurado, não mostrando nenhuma coerência entre suas ações estabelecidas e suas cobranças - direcionadas as pessoas que ele mesmo, por um prévio destino as condicionou.

Apregoar Deus é sempre, apregoar, amor, equidade, justiça e sabedoria. Qualquer sistema que apresenta como possíveis ações de Deus, atos incoerentes, que não são mediados por esses termos, tem em si uma vacuidade sistemática, uma incompletude ideativa, e, portanto, não pode ser defendido como uma boa teologia ou séria interpretação das escrituras e dos possíveis atos e desígnios de Deus.

Lailson Castanha
______
(1) LACROIX, Jean. Marxismo Existencialismo Personalismo. Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
(2) Nolonté seria uma espécie de vontade negativa, por contraposição a volonté, vontade real. O termo foi mantido por não comportar a tradução a expressividade associativa do original. (N. do T.)
(3) LACROIX, Jean. Marxismo Existencialismo Personalismo. Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.


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Como Jacobus Arminius acredito que: "As Escrituras são a regra de toda a verdade divina, de si, em si, e por si mesmas.[...] Nenhum escrito composto por Homens, seja um, alguns ou muitos indivìduos à exceção das Sagradas Escrituras[...] está isento de um exame a ser instituído pelas Escrituras. É tirania, papismo, controlar a mente dos homens com escritos humanos e impedir que sejam legitimamente examinados, seja qual for o pretexto adotado para a tal conduta tirânica." (Jacobus Arminius) - Contato: lailsoncastanha@yahoo.com.br

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