325 Capítulo 3. John Milton: livre arbitrio, probabilismo, libertade de conciência e revolução.*
por Carlos Martínez Valle
“C’est la vraie liberté, et la plus parfaite de pouvoir user le mieux de son franc arbitre et d’exercer toujours ce pouvoir sans en être détourné par la force externe ni par les passions internes, dont l’une fait l’esclavage des corps et les autres font celui des âmes. Il n’y a rien de moine servile que d’être toujours mené au bien, et toujours par sa propre inclination, sans aucune contrainte et aucune displaisir.”1056
3. Introdução ao capítulo 3
Este capítulo é dedicado, fundamentalmente ao estudo das obras de John Milton (1608- 1674). Considerado um dos poetas mais influentes da lírica britânica, foi também um profícuo polígrafo que escreveu sobre religião, educação, história, lógica, lingística, teatro e política. Seu labor poético se traduziu em uma intensa participação política na primeira Revolução Inglesa e na Restauração. Nomeado Secretário de Cartas Latinas ( a correspondência estrangeira) do Conselho de Estado (1649) depois de escrever The Tenure of Kings and Magistrates, uma obra que defendia a execução de Carlos I, foi comissionado pelo mesmo conselho para defender por escrito o governo revolucionáriofrente aos monarquistas e presbiterianos. A Revolução permite o debate sobre o direito de resistência, a negação do fundamento transcendente da ordem política, a democracia e a liberdade de consciência e Milton toma parte em todos eles. Idoso e cego foi preso por um curto período de tempo durante o Interregnum. Durante os primeiros anos da restauração viveu afastado da vida pública mas, quando cedeu ao ímpeto repressor desta, teve, todavia forças para escrever a favor de uma restrita tolerância religiosa. Milton reúne duas características que o tornam interessante para o nosso estudo, é muito versado em assuntos religiosos e a voz oficial de uma das primeiras revoluções do ocidente. Nos interessa, ademais, porque, como temos visto (0.I .B modelo do estudo), suas crenças religiosas, e a maneiras em que elas afetam suas posições religiosas e a maneira em que estas afetam suas posições políticas são controvertidas, seu
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estudo e comparação com as idéias de Calvino e dos molinistas nos permitiram validar conceitos como: puritanismo, Reforma ou a separação das linguagem escolásticas da lei e o humanista da virtude.
Dividiremos nosso estudo da filosofia moral de Milton em cinco seções. Na primeira, estudaremos as bases de sua filosofia moral. (3.I. Fundamentos da filosofia moral de Milton). Depois, veremos a utilização dessas idéias em suas mais diversas defesas da liberdade de consciência (3. II. A liberdade de consciência, imprensa e costumes). A estratégia probabilística de sua defesa. Areopagítica) e nas posteriores (3. III. A liberdade de consciência. A estratégia probabilística de sua defesa. As obras tardias). Vamos analisar como ele usa as mesmas idéias em sua defesa da revolução (3. IV A resistência como uma questão de consciência e dos fundamentos da democracia) e, finalmente, nos fundamentos da democracia (3. V. republicanismo e democracia. As novas propostas ).
A Primeira seção aborda a concepção miltoniana de homem, a lei e o nexo entre os dois, a consciência. Inicia inquirindo às vias as quais poderia ter conhecido as ideias do livre arbítrio e continua analisando a antropologia teológica do Paraiso Perdido e outras obras não primariamente políticas, onde encontramos uma exposição consistente e completa da teologia arminiana. A parte de evidenciar as enormes semelhanças que tem com as obra teológica de Molina, esta análise nos permite, reenviando as analises de sua política que seguem, perfilar de forma sistemática, a significação política de muitas ideias arminianas. Posteriormente estuda sua concepção de consciência e suas críticas a presbiteriana. A anáise da consciência nos leva a da lei, onde podemos comparar suas concepções com as de Calvino e os molinistas. Que estas ideias se mantenham nas primeiras obras, os tratados do divócio ratificam nossa concepção de um Milton heterodoxo desde suas primeiras obras.
As seções segunda e terceira do capítulo analisam a importância que o livre arbítrio e o probabilismo tem para defesa da liberdade de conhecimento, consciência, imprensa, credo e costumes. Dedicamos duas seções a este assunto porque sua argumentação varia entre as primeiras e as últimas obras adequando-se as necessidades políticas do momento. Exemplificaremos a forma casuísta do debate, estudando a interpretação divergente de passagens bíblicas disputadas desde o rigorosismo biblicista ou o latitudinarismo. A interpretação destes versículos bíblicos constitui uma questão de consciência que
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condensa muitas idéias parecidas nas seções (3. II. E. A liberdade cristã como saso de consciência: leitura probabilista da Bíblia e liberdade). Encerramos a seção com o estudo dos limitas que Milton impõe a tolerência e suas razões (3. III. C. Os limites da tolerância).
A quarta seção estuda a justificação da resistência e da revolução contra a monarquia absoluta como um caso de consciência (3. IV. A resistência como um caso de consciência e a fundação da democracia) e consideramos que doutrinas casuístas utilizam as disputas e especialmente Milton.
A útima seção se ocupa do rechaço da monarquia como forma de governo contrária a liberade, trata dos contraditórios efeitos políticos das ideias da virtude e do livre arbítrio e, por último, como sobre esta última se defende a democracia.
3. I. Fundamento da filosofia moral de Milton
3.I. O conhecimento das ideias arminianas
É questionável que Milton, um artista educado nas melhores instituições, que realiza uma “Grand Tour” para completar sua educação mundana e decide estudar isolado entre silvas pudera manter a inocente contradição dos revolucionários que, crendo ou confessando-se calvinistas, fazem uso de ideias elaboradas por pensadores católicos para fundamentar seu proceder político. 1057 Seu interesse na religião, próprio de todo homem culto do século XVIII não lhe permitia ser tão ingênuo.
Seu conhecimento das ideias do livre arbítrio veio de sua educação humanista na Saint Paul’s School, que foi fundada por John Colet, o defensor daquele. Este humanismo e sua insatisfação ante a sillabus do Christ College de Cambridge, onde estudou entre 1625 e 1632, 1058 não parecem impedir sua aproximação ao escolasticismo, pois
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acometerá a redação de duas obras de visível conteúdo escolástico. A Art of Logic e o compendio de teologia que provavelmente seja a De Doctrina Christiana. No aprovisionamento de materiais para a redação deste sistema de teologia, que fala de uma distante inquietude à aceitação da ortodoxia estabelecida, ele pode ter obtido informações sobre a dogmática pelagiana através do controversalismo patrístico. No Areopagitica cita São Jerónimo, que combateu a heresia pelagiana, porém, com a Vulgata, fundou a ortodoxia cheia de erros dos católicos, pelo que Milton pode afirmar que tomou por heresia o que eram ensinamentos certos. 1059 A transferência da mudança patrística para seu tempo não podia ser mais fácil, pois, apesar de que o arminiano Vossius escrevera a Antipelagiana, o arminianismo e o molinismo eram universalmente atacados como pelagianismos.
Tanto humanistas como escolásticos poderiam ter-se conduzidos a Aristóteles,1060 por quem manifesta apreço em um bom número de suas obras e provavelmente, pelas mesmas razões dos jesuítas e arminianos: a aceitação do livre arbítrio e a virtude humana. Isto também poderia estar entre as razões de sua relação com o epicurismo, um movimento que na época era igualado a impiedade e imoralidade por negar a providência e a graça. Seguindo o método de dissimular a aceitação de uma doutrina atrás de um moderado ataque ad hominem, rechaça as doutrinas de Epicuro, mas propõe o De rerum naturae como parte do programa educativo em seu Of Education, e no Areopagitica defende a tolerância das “seitas e opiniões que tendam a voluptuosidade e a negação da divina providência”. 1061 Salientava também que Lucrécio “teve a honra de ter sua obra reeditada pelo grande Cícero, pai da república”.1062 A menção de Cícero junto ao epicurismo nos remeta ao traço comum com Aristóteles, pois todos eles aceitam uma liberdade de decisão que permite ao homem agir racional e moralmente. Como expõe Hobbes em o Behemoth, Aristóteles e Cícero foram fonte de conhecimento moral e de ideias revolucionárias na Inglaterra da época. A reabilitação do Epicurismo na Idade Moderna está relacionado a aceitação do livre arbítrio, a autonomia humana, o
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indeterminismo e a aceitação moral. Não em vão Gassendi e Bernier se movem em meios Jesuitas e encontram eco em Locke, um arminiano.1063
Em maio de 1638, finalizados seus estudos, visita Grotius em seu exílio parisiense, forçado pelos calvinistas, de modo que seu arminianismo, papista, sugundo Baxter1064, não se lhe pode escapar. As biografias indicam que o interesse de Milton se centrava na exegética humanista, porém isto não se pode desvincular das concepções dogmáticas, de forma que o racionalismo daquela deveria haver-lhe levado ao arminianismo ou vice versa. Milton manterá o interesse pela obra de Grotius durante toda a sua vida, como mostra sua edição de Veritatis Christianae Religio ou a criação do Paraiso Perdido, que tem um de seus modelos no Adamus Exul do holandês. A arriscada autorização, sendo censor governamental, do Catecismo racoviano (1652), a primeira versão inglesa da exposição da fé sociniana, pode também indicar a aceitação da concepção antropológica que compatartilham arminianos e seus interlocutores socinianos.
Sua posição favorável ao divórcio o coloca já desde as suas primeiras obras no campo da heterodoxia, mas, justamente nestes textos heterodoxos aparecem algumas de suas confições formais de ortodoxia, em geral, unidas a uma resitência ao arminianismo, o que é um indicador claro de seu conhecimento. Em The Doctrine and Discipline of Divorce de 1644 (relembrando que a guerra havia começado apenas um ano antes e o poder está nas mãos dos presbiterianos) proclama sua ortodoxia atacando os “Jesuits and that sect among us which is nam‘d of Arminius” quienes “wont to charge us of making God the author of sinne”1065, quem “wont to charge us of making God the author of sinne”1065, com o que sublinha sua aderência “us” a ortodoxia frente aos defensores do livre arbítrio, a quem ataca juntos criteriosamente. Que, no entanto explicitamente baseia seus argumentos nas ideias arminianas de Grotius, minando a credibilidade da confissão.
O mesmo jogo duplo se repete no Areopagitica.1066. A sentença, que associa de novo ao arminianismo com o jesuitismo e a escolástica (que lhe dá um grande poder de penetração entre os pastores e doutores protestantes), aperece em outro texto em que o
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núcleo argumentativo é arminiano. A habilidade retórica de Milton consegue não só introduzir conteúdos heterodoxos, mas carregar textos com perguntas e referir a fontes ao leitor inteligente e atento. Em um texto em que pede a liberdade para buscar a verdade e a salvação, o rechaço de Arminius, que havia sido persiguido por suas idéias, é chocante.1067 O próprio texto da passagem é irônico, pois sustenta que, como agudo e perspicaz que era, a Arminius bastou ler um livro, de um autor de Delft (possivelmente Dirk Coornhert) para converter-se ao livre arbítrio. A dissimulação que Milton utiliza nesras citações é uma tática relacionada ao probabilismo e o latitudinarismo moral, como mostra a condenação de Calvino ao mesmo Dirk Coornhert por nicodemismo. A citação nos permite afirmar que, na época que escreveu Areopagita, o inglês tinha um conhecimento de primeira mão das doutrinas arminianas, pois só podia ter encontrado a relação da converção de Arminio ao livre arbítrio na De vita et Obitu D. Iacobi Arminii oratio de Petri Berti.1068 Que Milton conhecia a obra de Berti parece exprimir-se dos adjetivos com os quais qualifica a Arminius no Aeropagita (1644): accute and distinct, que são uma tradução dos de Berti: perspicué y distincté.
Estas declarações retóricas de ortodoxia tem enganado os redatores da edição crítica das obras em prosa de Milton, que mantém sua ortodoxia pelo menos até sua última confissão no ano de 1664, sem se dar conta, as confissões não são em terminologia protestante, senão puro lip-work.1069 Os estudiosos também se apóiam nas primeiras obras, naquelas que defende a disciplina eclesial presbiteriana, para afirmar sua proximidade as ideias calvinistas, mas está claro que baseia suas argumentações em ideias arminianas e que a aceitação da disciplina presbiteriana é um movimento tático que visa a redução da igreja da Inglaterra com a intenção de alcançar mais liberdade e tolerância. 1070 Porém as manifestação mais evidente da conservação de posturas arminianas por Milton nos ofertam por suas próprias obras.
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A teologia arminiana de John Milton
Todas as obras de Milton que temos analisado contêm componentes arminianos, porém, para expor seu pensamento, temos feito especial uso daquelas que não tem um fim diretamente político, e que ocupam uma extensão temporal coincidente com a sua vida produtiva: Paradise Lost, The Art of Logic, The Doctrine and Discipline of Divorce y Tetrachordon.
Contra as previsões que se podem receber por se tratar de um texto poético, que são de esperar as correspondentes licenças com o material teológico, o Paraíso Perdido (1674) se revela como uma obra muito consistente e rica em teologia. Não é estranho que, em um momento, em que a justificação e a salvação é um tema central em toda a Europa, nosso autor fixe sua atenção no Gênesis, o texto sobre o qual gira a discussão sobre a natureza humana e os efeitos da o pecado original. O Paraíso é uma obra de política religiosa que pretende marcar definitivamente as linhas da leitura de Gênesis, entre outras, sob pauta arminiana. Em suma, esta corrente permitia tal atividade, ao aceitar a capacidade do homem para interpretar as Escrituras. Em segundo lugar temos elegido o “The Art of Logic” (1673), um tratado de lógica que segue um modelo ramista e que nos recorda muito algumas partes das “Disputaciones Metafísicas”, pois, de maneira similar, contém, em algumas de suas partes, pequenos ensaios teológicos. Seu caráter escolástico se faz muito interessante para uma comparação terminológica com as doutrinas dos jesuítas. Sua primeira "The Doctrine and Discipline of Divorce” e “Tetrachordon” têm também uma grande carga teológica e jurídica, pelo que nos serviram fundamentalmente para analisar sua compreensão da lei de Deus. Em quarto lugar, dispomos da “De doctrina christiana”, um manual teológico que, apesar de retomar o título de Agostinho, é muito heterodoxa e tem traços escolásticos. Foi descoberta em 1823, atribuída a nosso autor e incluída na edição crítica de suas obras, em “John Milton Complete Prose Works”. O problema dessa obra é que sua autoria permanece incerta. Como conclusão da disputa sobre sua atribuição, que Hunter pois em duvida e atribuiu a um arminiano holandês, parece poder resumir-se que Milton havia trabalhado nela boa parte de sua vida e especialmente nos anos de criação do Paraíso Perdido (Paradise Lost). Porém, devido provavelmente à cegueira e a troca de amanuenses, que deveriam ser confiáveis por conta da natureza herética do texto, permaneceu inacabado, e suas ideias podem não refletir com certeza as de Milton. Não pretendemos agregar-lhe De Doctrina, senão, só nos servirmos delas, ao ser claramente arminiana, como instrumento interpretativo para analizar o arminianismo de Milton. O fardo da prova de arminianismo recai só nas outras obras.1071 Na continuação, analisaremos a concepção miltoniana de livre arbítrio e das ideias que dela derivam na teodicéia, a soteriologia e o direito.
3. I. B1. Livre arbítrio: libertas a necessitate e aequilibrium indifferentiae
Como Molina, Milton parece preferir o uso do substantivo “libertad” (freedom, liberty) ou do adjetivo “livre” (free) ao composto “livre arbítrio” (free will),mas no Paraiso 1072 e De Doctrina 1073 usa-os como termos sinônimos, pois aparecem no mesmo contexto em que antes encontramos o termo liberdade. 1074 A equiparação ou dissolução do conceito de livre arbítrio no de liberdade, quiçá, efeito do pelagianismo, estando já difundida na Inglaterra em meados do sec. XVII, como mostra a obra póstuma de Hammond “The extracts of Three Letters Concerning Gods Prescience reconcilied with Liberty and Contingency” cuja marca molinista/arminiana é clara na substituição de livre arbítrio por Liberty no desejo de reconciliação dos mesmos conceitos que na Concordia. A substituição do termo free will (livre arbítrio) por liberdade podem culminar na rejeição do termo, não de seu conteúdo, no Essay de Locke.
Talvez o momento onde o Paraiso glosa com maior precisão a doutrina soteriológica seja nos versos 93 – 132 e 172 – 202 do Livro III. Neles, deus prevê a queda do homem, porém afirma que nem a sua presciência nem sua vontade o tem predestinado para a queda, mas que, pelo contrário, o decreto para ele é a liberdade, pelo que o dotou de razão e
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vontade suficiente para não cair. Desta forma, Deus “limpa sua própria justiça e sabedoria de toda imputação” 1075 de ser a origem do mal. Deus manifesta o propósito de conceder sua graça ao mundo para que este não morra eternamente, a condição de que se satisfaça sua ofensa, momento em que Cristo oferece seu sacrifício como meio para que o homem recobra suas faculdades naturais . A seguir, Milton versa a formula soteriológica para o homem caído, para quem o decreto da salvação é universal e condicional e onde o arrependimento, a aceitação voluntária da chamada universal a graça e a obediência são os caminhos para a salvação. Em seguida, analisaremos mais cuidadosamente essas passagens e outras que ajudam a perfilar seu significado. Nossas explicações serão esquemáticas, porque o leitor já tem recebido informações suficientes no capítulo dedicado a Molina, com quem as concepções de Milton guardam uma notável semelhança.
Pois o homem crerá em suas mentiras (de Satanás) / E facilmente quebrará o único mandamento / A única cura de sua obedência: assim cairá / Ele sua descendência sem fé: De quem é a culpa? / De quem, senão sua? Ingrato recebeu de mim (Deus) / tudo o que podia ter; Fiz-lhe justo e reto, / Suficientemente para ter suportado, porém, livre para cair / Assim criei todos os poderes etéreos / e os espíritos, ambos, os que resistiram e os que caíram / livremente resistiram e caíram. / Se não tivessem sido livres, que prova sincera poderiam ter dado? / De verdadeira aliança, fé e amor constante?1076
Deus prevê que o homem irá escutar as mentiras de satanás e violar o únio mandamento que lhe deu, rompendo sua obediência e perdendo-se ele e a sua descendência “falta de fé” (faithless progeny). Esta falta de fé parece indicar que Milton vá usar a doutrina protestante da falta de fé como características dos caídos. 1077 mas nos versos seguintes a filiação arminiana de seu pensamento fica clara: Deus fez o homem reto e justo, deu-lhe força suficiente para resistir à tentação, mas também, falibilidade e liberdade para cair, 1078 de maneira que a queda não é preordenada pela vontade divina, senão que depende somente da livre vontade dos anjos e dos homens, que eram, portanto, livres/ caindo ou resistindo”.1079 Esta liberdade para cair ou manter-se em
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obediência a Deus é um dos aspectos ou modos pelo qual se manifesta o livre arbírio. As mesmas concepções se repetem em outros versos:
Sem liberdade, que glória receberia 107/ eu?. Ou, que deleite dessa obediência?, / Sem vontade o razão (a razão é escolha), / Inúteis e vãs despojads de liberdade, / passivas para a necessidade obedeceriam, / E não a mim. Mas, como era correto. / Assim foram criados”.1080
Milton demonstra que a razão e a vontade, as duas faculdades componentes do livre arbítrio, devem ser livres para ser úteis, para poder atuar moramente e mostrar a obediência pela qual o homem se faz agradável a Deus. Afirma que estas faculdades estão livres de sujeição à necessidade, isto é, libertas a necessitate como base da liberdade e do livre arbítrio. Aceita também a mesma fundamentação da libertas a necessitate que propõe Molina, que, com base, especialmente na contingência da vontade, pois sustenta que após a restauração das faculdades por Cristo, “está armada contra todas as tentações”. 1081 O que repete no livro V onde reafirma que o homem mantém, após a queda, o livre arbítrio e que este é incompatível com a necessidade e o destino, e concede poder ao homem para obedecer voluntariamente a Deus e alcançar a felicidade. Ou de outra maneira, só a ausência da necessidade na escolha libera a razão e a vontade e pemite o livre arbítrio.1082 Na De Doctrina, a esitência da razão se supõe como suficiente condição do livre arbítrio. 1083 Milton também manifesta que a liberdade permite a prova do homem e que é a obediência livre que encontra aceitação em Deus. Todas estas ideias são essencialmente idênticas as que mantêm Molina e sua Concordia. Para nós, ademais, os versos acimas citados tem uma significação fundamental, pois é uma citação quase literal da afirmação que, já em 1644, concentra a argumentação em favor da liberdade de imprensa no Aeropagita (alí “for reason is but choosing”, aquí “Reason is but choice”) (ver 3. II. C1. O livre arbitrio como probabilidad intrínseca).
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Mas, como vimos no segundo capítulo, a mera existência de um arbítrio livre, com libertas a necessidade, e capacidade de raciocínio não pressupõe a liberdade, pois a verdadeira liberdade, sustenta Milton, exige obedecer a Deus hispostasiado na razão, o que afirma nos seguintes versos: Deus deixou livre a vontade, para que obedeça / a razão é livre e feita pela razão correta”.1084 A necessidade da escolha racional para alcançar a liberdade se mantém claramente em The Art of Logic.1085 Milton está afirmando também uma concepção similar a de Molina que considera a verdadeira liberdade como a busca da felicidade através da obediência e a razão (ver algumas concepções políticas desta ideia em 3. V A. O remédio da tirania e as contradições da virtude).
Milton também baseia seu conceito de livre arbítrio nos mesmos princípios que propõe Molina (estudaremos a autonomia no próximo ponto parágrafo b). Assim, por exemplo, menciona a contingência e a indeterminção ao longo do texto (contingency, chance, risk, hazard), e diz que, ainda que Deus seja livre delas, restringe sua vontade e não exerce sua onipotência a fim de permitir sua existência no mundo.1086 Pelo contrário, Satanás usa a contingência (chance) introduzir-se no Paraiso e seduzir o homem,1087 permitindo sua queda e salvando a justiça divina. Origem do pecado ou da livre obediência, os anjos caídos e os homens se vêem submetidos a ela.1088 (Para as consequências políticas da contingência: 3. IV. F1. Probabilismo e ordenação divina de poder ou 3. II. C2. A dúvida e a probabilidade como base da indiferença).
Também sustenta que para que a escolha seja livre as opções devem aparecer equilibradas à percepção do homem, como se fossem indiferentes, não necessárias:
“Outra vez renovarei, / Seus poderes caídos, ainda que tenham sido escravizados, / Pelo pecado de loucos e exorbitantes desejos: / Sustentado por mim se levantará outra vez / Sobre um solo equilibrado – nivelado – frente a seu mortal inimigo, / Mantido por mim para que entenda, quão frágil, / Sua condição caída é e como a mim deve, / oda a sua libertação e sómente a mim”1089.
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Em solo equilibrado (even groud) que permite ao homem enfrentar o mal apesar do pecado, é uma metáfora do aequilibrium indifferentiae que, segundo Sergio Nelli, é a marca característica do molinismo.1090 A imagem se volta a repetir no livro X onde se afirma que nenhum decreto divino concorreu (concurring) a necessitar a queda, pois Deus desejou ao homem a sua própria escolha realizada em uma balança imparcial ou nivelada (even).1091
Ademais, a graça que restaura as faculdades fazendo-as equilibradas frente ao mal e “não concorre” na decisão é conceitualmente idêntica ao “concurso indiferente” de Molina. Assim, o livre arbítrio em Milton também se manifesta na liberdade de secolha contraditória.1092 Para terminar de perfilar a idéia do concurso indiferente, Milton afirma com terminações idênticas as de Molina, que a graça não determina a escolha do arbítrio, pois só “convida”1093 e não é irresistível, pois pode ser desprezada.1094 Esta ideia é chave para entender a condicionalidade da salvação que ambos defendem.
Muitas das características do livre arbítrio se resumem nos molinistas em um par de conceitos como causa eficiente, agente livre, etc. Os poemas não são lugar para buscar terminologia de sabor escolástico, mas em Art of Logic e De Doctrina as similitudes doutrinárias se traduzem inclusas em uma terminologia similar a que usam os jesuítas. Na promeira, Milton faz uma dissertação teológica em que sustenta que “as causas que atuam através da natureza, o fazem por necessidade, enquanto que as que atuam através de deliberação, o fazem livremente”, retomando, assim, as categorias de causa natural e livre dos escolásticos. “Atuam livremente, continua, aquelas causas (...) que se guiam pela razão e deliberação, como os anjos e o homens (...). Porque a liberdade é o poder de fazer ou não fazer isto ou aquilo, a menos, por suposto, que Deus queira outra coisa ou alguma outra força interfira violentamente”.1095 As similitudes com a definição da liberdade de Suarez, que também se refere aos seres que atuam através
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da deliberação causas livres, são patentes.1096 Se o homem tem liberadade de ação,1097 continua Milton, pois Deus não influi na sua escolha, é “causa eficiente”1098 e independente1099 de suas próprias ações, uma designação que também usa Molina. Na obra de Molina o livre arbítrio constitue o homem como agente livre, um conceito usado com assiduidade em De Doctrina: “God of his wisdom determined to create men and angels reasonable beings and therefore, free agents”.1100 Para Milton, o homem ó perde com a queda a felicidade (os dons espirituais) e a imortalidade, pois com o sacrifício de Cristo e a infusão do espírito recupera seus dons naturais,1101 de forma que, como Molina,1102 o livre arbítrio renovado pelo espírito mantém no homem a imagen de Deus1103 e sua dignidade.1104 Em De Doctrina se repete a relação entre a persistênia da imagem divina no homem, os dons naturais restituídos e sua dignidade. O homem é a imagem de Deus porque é agente livre, tem a sagarda capacidade da razão e isto lhe permite fazer boas obras e indiferentes. 1105 (Algumas repercuções políticas desta ideia no: 3. II. C1. O libre arbítrio como probabilidade intrínseca)
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1056 Lebniz, G. Essays de theodicee.
1057 Skinner, Quentin. Foundations. II. p. 323.
1058 John Milton. Political Writings. Dzelzainis, Martin (ed.) The Tenure of Kings and Magistrates. A Defense of the
People of England. Cambridge: Cambridge U.P. 1991. p. X. Véase, también Dzelzainis, Martin. “Milton’s Classical
Republicanism” en Armitage. Op. cit. p. 16.
1059 “Irenaeus, Epiphanius, Jerom and others discover more heresies then they well confute, and that oft for heresie which
is the truer opinion”. Areopagitica. pp. 517-18.
1060 “Aristotle therefore, whom we commonly allow for one of the best interpreters of nature and moralitywrites in the
fourth book of his politics”. Cit, en Tenure. p. 12 “Aristotle and Marcus Cicero, most sagacious authors if any others
are”. Defence. p. 80. Também cita no Divorce, Colasterion y Tetrachordon.
1061 “Tanto Epicuro como a liberina escola de Cirene o (…) os cínicos nunca foram postos em questão pelas leis
(em Atenas)”. Areopagitica. p. 494.
1062 Areopagitica. p. 498.
1063 Bonno, G. D. 1955. Les relations intellectuelles de Locke avec la France. Berkeley: University of California Press.
1064 Vid (The) Grotian Religion Rediscovered (1658) onde reivindica o Sínodo de Dort e acusa a Grotius de papista.
1065 Divorce. p. 293.
1066 Areopagitica. pp. 519-520.
1067 “Those books (…) which are likeliest to taint both life and doctrine, cannot be suppresst without the fall of learning,
and of all ability in disputation, (…) and that evill manners are as perfectly learnt without books (…) and evill doctrine
not with books can propagate (…) I am not able to unfold, how this cautelous enterprise of licencing can be exempted
from the number of vain and impossible attempts”. Areopagitica. pp. 520-21.
1068 Que foi reimpresa como Iacobi Arminii Opera Theologica en 1635 en Frankfurt.
1069 Tomas Corns que o exercício do livre arbítrio foi importante para seus primeiros tratados. Corns, Thomas N.
“Milton’s antiprelatical tracts and the marginality of Doctrine”, en Dobranski. Op. cit. pp. 39-48.
1070 Milton, John. 1953. Complete Prose Works. New Haven: Yale University Press. Vol. II. Part One: The Background.
Chapter I. p. 2.
1071 Hunter, William B. 1992. "The Provenance of John Milton’s Christian Doctrine." SEL (Studies in English Literature).
Vol. 32:pp. 129-142. O debate suscitado deu lugar a um número temático dedicado ao problema no SEL: Lewalski,
Barbara K., John T. Shawcross y William B. Hunter. 1992. "Forum: Milton’s Christian Doctrine." SEL (Studies in
English Literature). Vol. 32:pp.143-166. Também respondeu Kelly, Maurice. 1994. "Forum II: Milton’s Christian
Doctrine. The Provenance of John Milton’s Christian Doctrine: A Reply to William B. Hunter." SEL (Studies in English
Literature). Vol. 34:pp. 153-63. En la disputa medió, también, Hill, Christopher. "Professor William B. Hunter, Bishop
Burgess, and John Milton." SEL (Studies in English Literature). Vol. 34:pp. 165-186. William Hunter cerró el debate con
Hunter, William Bridges. 1998. Visitation Unimplor'd: Milton and the Authorship of 'De doctrina Christiana'. Pittsburgh,
Pa.: Duquesne University Press.
1072 “But other Powers as great / Fell not, but stand unshak'n, from within 65 / Or from without, to all temptations arm'd. /
Hadst thou the same free Will and Power to stand? / Thou hadst: whom hast thou then or what to accuse, / But Heav'ns
free Love dealt equally to all”. Paraíso. Book IV. O bien “Hindered not Satan to attempt the mind/ Of man, with strength
entire and free Will armed, / Complete to have discovered and repulsed / Whatever wiles of foe or seeming friend”.
Paraíso. Book X. Vs. 8-11.
1073 “The (…) object of the divine plan was that angels and men alike should be endowed with free will (libero arbitrio),
so that they could either fall or not fall. (…) God’s actual decree bore a close resemblance to this, so that all the evils
which have since happened as a result of the fall could either happen or not: if you stand firm, you will stay; if you do not,
you will be thrown out”. “To sum up in a few words. By virtue of his wisdom God decreed the creation of angels and
men as being gifted with reason and thus with free will”. De Doctrina. pp. 163 y 164, resp.
1074 Paraíso. Book III. V. 103.
1075 Paraíso. Book III. Argument.
1076 Paraíso. Book III. Vs. 94 – 105.
1077 “For man will heark'n to his glozing lyes, / And easily transgress the sole Command 95 /Sole pledge of his obedience:
So will fall, / Hee and his faithless Progenie”. Paraíso. Book III.
1078 “Whose fault?/ Whose but his own?, ingrate, he had of mee/ All he could have; I made him just and right, / Sufficent
to have stood, though free to fall”. Paraíso. Book III. Vs. 98-100.
1079 Paraíso. Book III. Vs. 95-6.
Anatomía de la libertad
1080 Paraíso. Book III, Vs. 107-113.
1081 “But other Powers as great / Fell not, but stand unshak'n, from within 65 / Or from without, to all temptations arm'd. /
Hadst thou the same free Will and Power to stand? / Thou hadst: whom hast thou then or what to accuse, / But Heav'ns
free Love dealt equally to all? / Be then his Love accurst, since love or hate 70”. Paraíso. Book IV. Vs. 64-70.
1082 “Attend (dice Rafael a Adan y Eva): That thou art happie, owe to God; / That thou continu'st such, owe to thy self, /
That is, to thy obedience; therein stand./ This was that caution giv'n thee; be advis'd. / God made thee perfet, not
immutable 525 / And good he made thee, but to persevere / He left it in thy power, ordaind thy will / By nature free, not
over-rul'd by Fate / Inextricable, or strict necessity; / Our voluntarie service he requires, 530 / Not our necessitated, such
with him / Finds no acceptance, nor can find, for how / Can hearts, not free, be tri'd whether they serve / Willing or no,
who will but what they must / By Destinie, and can no other choose? 535”. Paraíso. Book V.
1083 “By virtue of his wisdom God decreed the creation of angels and men as being gifted with reason and thus with free
will”. De Doctrina. p. 164.
1084 “God left free the Will, for that obeyes/ Reason is free, and Reason he made right”. Paraíso. Book IX, Vs. 351-352.
1085 “Only those causes act freely ex hypothesi which do things through reason and deliberation, as angels and men”. The
Art of Logic. I Ch. V. pp. 226-7.
1086 “Though I uncircumscrib'd my self retire, 170 / And put not forth my goodness, which is free / To act or not,
Necessitie and Chance/ Approach not mee, and what I will is Fate”. Paraíso. Book VII.
1087Por ejemplo: Paraíso. Book IV. V.530.
1088 Paraíso. Book II. Vs. 285-90.
1089 Paraíso. Book III, Vs. 172-182.
Anatomía de la libertad
1090 Nelli, Sergio. 1982. Determinismo e libero arbitrio da Cartesio a Kant. Torino: Loescher. p. 11 y ss.
1091 “On his bad Errand, Man should be seduc't / And flatter'd out of all, believing lies / Against his Maker; no Decree of mine / Concurring to necessitate his Fall, / Or touch with lightest moment of impulse 45/ His free Will, to her own
inclining left / In eevn scale”. Paraíso. Book X. Véase también Treip, Mindelene Ann. 1991. "Reason is Also Choice?
The Emblematics of Free Will in Paradise Lost." SEL (Studies in English Literature). Vol. 31:pp. 147-177.
1092 “For freedom is the power to do or not to do this or that, unless of course God wills otherwise or some other force
violently interferes”. The Art of Logic. I Ch. V. pp. 226-7.
1093 “While offered grace / Invites” Paraíso. Book III. Vs. 187-88.
1094 “Por la vocación interna sólo se sienten estimulados e invitados, pero (…) los actos emanan del libre albedrío, sin
cuya colaboración, prácticamente no existirían” Concordia. p. 40. Dis. 5. § 8. Véase también Concordia. p. 221, dis.10.
1095 The Art of Logic. I Ch. V. pp. 226-7.
Tradução livre do espanhol: Lailson Castanha
Fonte:http://eprints.ucm.es/7742/1/T29802.pdf
http://eprints.ucm.es/7742/
*Conteúdo componente da Tese doutoral ANATOMÍA DE LA LIBERTAD: EL LIBRE ARBITRIO Y EL FUNDAMENTALISMO PROTESTANTE, EL ANTIRRIGORISMO ESCOLÁSTICO Y EL REPUBLICANISMO HUMANISTA, apresentada por Carlos Martínez Valle na UNIVERSIDAD COMPLUTENSE DE MADRID
FACULTAD DE CIENCIAS POLÍTICAS Y SOCIOLOGÍA Departamento de Historia del Pensamiento I
Imagem: John Milton
por Carlos Martínez Valle
“C’est la vraie liberté, et la plus parfaite de pouvoir user le mieux de son franc arbitre et d’exercer toujours ce pouvoir sans en être détourné par la force externe ni par les passions internes, dont l’une fait l’esclavage des corps et les autres font celui des âmes. Il n’y a rien de moine servile que d’être toujours mené au bien, et toujours par sa propre inclination, sans aucune contrainte et aucune displaisir.”1056
3. Introdução ao capítulo 3
Este capítulo é dedicado, fundamentalmente ao estudo das obras de John Milton (1608- 1674). Considerado um dos poetas mais influentes da lírica britânica, foi também um profícuo polígrafo que escreveu sobre religião, educação, história, lógica, lingística, teatro e política. Seu labor poético se traduziu em uma intensa participação política na primeira Revolução Inglesa e na Restauração. Nomeado Secretário de Cartas Latinas ( a correspondência estrangeira) do Conselho de Estado (1649) depois de escrever The Tenure of Kings and Magistrates, uma obra que defendia a execução de Carlos I, foi comissionado pelo mesmo conselho para defender por escrito o governo revolucionáriofrente aos monarquistas e presbiterianos. A Revolução permite o debate sobre o direito de resistência, a negação do fundamento transcendente da ordem política, a democracia e a liberdade de consciência e Milton toma parte em todos eles. Idoso e cego foi preso por um curto período de tempo durante o Interregnum. Durante os primeiros anos da restauração viveu afastado da vida pública mas, quando cedeu ao ímpeto repressor desta, teve, todavia forças para escrever a favor de uma restrita tolerância religiosa. Milton reúne duas características que o tornam interessante para o nosso estudo, é muito versado em assuntos religiosos e a voz oficial de uma das primeiras revoluções do ocidente. Nos interessa, ademais, porque, como temos visto (0.I .B modelo do estudo), suas crenças religiosas, e a maneiras em que elas afetam suas posições religiosas e a maneira em que estas afetam suas posições políticas são controvertidas, seu
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estudo e comparação com as idéias de Calvino e dos molinistas nos permitiram validar conceitos como: puritanismo, Reforma ou a separação das linguagem escolásticas da lei e o humanista da virtude.
Dividiremos nosso estudo da filosofia moral de Milton em cinco seções. Na primeira, estudaremos as bases de sua filosofia moral. (3.I. Fundamentos da filosofia moral de Milton). Depois, veremos a utilização dessas idéias em suas mais diversas defesas da liberdade de consciência (3. II. A liberdade de consciência, imprensa e costumes). A estratégia probabilística de sua defesa. Areopagítica) e nas posteriores (3. III. A liberdade de consciência. A estratégia probabilística de sua defesa. As obras tardias). Vamos analisar como ele usa as mesmas idéias em sua defesa da revolução (3. IV A resistência como uma questão de consciência e dos fundamentos da democracia) e, finalmente, nos fundamentos da democracia (3. V. republicanismo e democracia. As novas propostas ).
A Primeira seção aborda a concepção miltoniana de homem, a lei e o nexo entre os dois, a consciência. Inicia inquirindo às vias as quais poderia ter conhecido as ideias do livre arbítrio e continua analisando a antropologia teológica do Paraiso Perdido e outras obras não primariamente políticas, onde encontramos uma exposição consistente e completa da teologia arminiana. A parte de evidenciar as enormes semelhanças que tem com as obra teológica de Molina, esta análise nos permite, reenviando as analises de sua política que seguem, perfilar de forma sistemática, a significação política de muitas ideias arminianas. Posteriormente estuda sua concepção de consciência e suas críticas a presbiteriana. A anáise da consciência nos leva a da lei, onde podemos comparar suas concepções com as de Calvino e os molinistas. Que estas ideias se mantenham nas primeiras obras, os tratados do divócio ratificam nossa concepção de um Milton heterodoxo desde suas primeiras obras.
As seções segunda e terceira do capítulo analisam a importância que o livre arbítrio e o probabilismo tem para defesa da liberdade de conhecimento, consciência, imprensa, credo e costumes. Dedicamos duas seções a este assunto porque sua argumentação varia entre as primeiras e as últimas obras adequando-se as necessidades políticas do momento. Exemplificaremos a forma casuísta do debate, estudando a interpretação divergente de passagens bíblicas disputadas desde o rigorosismo biblicista ou o latitudinarismo. A interpretação destes versículos bíblicos constitui uma questão de consciência que
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condensa muitas idéias parecidas nas seções (3. II. E. A liberdade cristã como saso de consciência: leitura probabilista da Bíblia e liberdade). Encerramos a seção com o estudo dos limitas que Milton impõe a tolerência e suas razões (3. III. C. Os limites da tolerância).
A quarta seção estuda a justificação da resistência e da revolução contra a monarquia absoluta como um caso de consciência (3. IV. A resistência como um caso de consciência e a fundação da democracia) e consideramos que doutrinas casuístas utilizam as disputas e especialmente Milton.
A útima seção se ocupa do rechaço da monarquia como forma de governo contrária a liberade, trata dos contraditórios efeitos políticos das ideias da virtude e do livre arbítrio e, por último, como sobre esta última se defende a democracia.
3. I. Fundamento da filosofia moral de Milton
3.I. O conhecimento das ideias arminianas
É questionável que Milton, um artista educado nas melhores instituições, que realiza uma “Grand Tour” para completar sua educação mundana e decide estudar isolado entre silvas pudera manter a inocente contradição dos revolucionários que, crendo ou confessando-se calvinistas, fazem uso de ideias elaboradas por pensadores católicos para fundamentar seu proceder político. 1057 Seu interesse na religião, próprio de todo homem culto do século XVIII não lhe permitia ser tão ingênuo.
Seu conhecimento das ideias do livre arbítrio veio de sua educação humanista na Saint Paul’s School, que foi fundada por John Colet, o defensor daquele. Este humanismo e sua insatisfação ante a sillabus do Christ College de Cambridge, onde estudou entre 1625 e 1632, 1058 não parecem impedir sua aproximação ao escolasticismo, pois
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acometerá a redação de duas obras de visível conteúdo escolástico. A Art of Logic e o compendio de teologia que provavelmente seja a De Doctrina Christiana. No aprovisionamento de materiais para a redação deste sistema de teologia, que fala de uma distante inquietude à aceitação da ortodoxia estabelecida, ele pode ter obtido informações sobre a dogmática pelagiana através do controversalismo patrístico. No Areopagitica cita São Jerónimo, que combateu a heresia pelagiana, porém, com a Vulgata, fundou a ortodoxia cheia de erros dos católicos, pelo que Milton pode afirmar que tomou por heresia o que eram ensinamentos certos. 1059 A transferência da mudança patrística para seu tempo não podia ser mais fácil, pois, apesar de que o arminiano Vossius escrevera a Antipelagiana, o arminianismo e o molinismo eram universalmente atacados como pelagianismos.
Tanto humanistas como escolásticos poderiam ter-se conduzidos a Aristóteles,1060 por quem manifesta apreço em um bom número de suas obras e provavelmente, pelas mesmas razões dos jesuítas e arminianos: a aceitação do livre arbítrio e a virtude humana. Isto também poderia estar entre as razões de sua relação com o epicurismo, um movimento que na época era igualado a impiedade e imoralidade por negar a providência e a graça. Seguindo o método de dissimular a aceitação de uma doutrina atrás de um moderado ataque ad hominem, rechaça as doutrinas de Epicuro, mas propõe o De rerum naturae como parte do programa educativo em seu Of Education, e no Areopagitica defende a tolerância das “seitas e opiniões que tendam a voluptuosidade e a negação da divina providência”. 1061 Salientava também que Lucrécio “teve a honra de ter sua obra reeditada pelo grande Cícero, pai da república”.1062 A menção de Cícero junto ao epicurismo nos remeta ao traço comum com Aristóteles, pois todos eles aceitam uma liberdade de decisão que permite ao homem agir racional e moralmente. Como expõe Hobbes em o Behemoth, Aristóteles e Cícero foram fonte de conhecimento moral e de ideias revolucionárias na Inglaterra da época. A reabilitação do Epicurismo na Idade Moderna está relacionado a aceitação do livre arbítrio, a autonomia humana, o
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indeterminismo e a aceitação moral. Não em vão Gassendi e Bernier se movem em meios Jesuitas e encontram eco em Locke, um arminiano.1063
Em maio de 1638, finalizados seus estudos, visita Grotius em seu exílio parisiense, forçado pelos calvinistas, de modo que seu arminianismo, papista, sugundo Baxter1064, não se lhe pode escapar. As biografias indicam que o interesse de Milton se centrava na exegética humanista, porém isto não se pode desvincular das concepções dogmáticas, de forma que o racionalismo daquela deveria haver-lhe levado ao arminianismo ou vice versa. Milton manterá o interesse pela obra de Grotius durante toda a sua vida, como mostra sua edição de Veritatis Christianae Religio ou a criação do Paraiso Perdido, que tem um de seus modelos no Adamus Exul do holandês. A arriscada autorização, sendo censor governamental, do Catecismo racoviano (1652), a primeira versão inglesa da exposição da fé sociniana, pode também indicar a aceitação da concepção antropológica que compatartilham arminianos e seus interlocutores socinianos.
Sua posição favorável ao divórcio o coloca já desde as suas primeiras obras no campo da heterodoxia, mas, justamente nestes textos heterodoxos aparecem algumas de suas confições formais de ortodoxia, em geral, unidas a uma resitência ao arminianismo, o que é um indicador claro de seu conhecimento. Em The Doctrine and Discipline of Divorce de 1644 (relembrando que a guerra havia começado apenas um ano antes e o poder está nas mãos dos presbiterianos) proclama sua ortodoxia atacando os “Jesuits and that sect among us which is nam‘d of Arminius” quienes “wont to charge us of making God the author of sinne”1065, quem “wont to charge us of making God the author of sinne”1065, com o que sublinha sua aderência “us” a ortodoxia frente aos defensores do livre arbítrio, a quem ataca juntos criteriosamente. Que, no entanto explicitamente baseia seus argumentos nas ideias arminianas de Grotius, minando a credibilidade da confissão.
O mesmo jogo duplo se repete no Areopagitica.1066. A sentença, que associa de novo ao arminianismo com o jesuitismo e a escolástica (que lhe dá um grande poder de penetração entre os pastores e doutores protestantes), aperece em outro texto em que o
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núcleo argumentativo é arminiano. A habilidade retórica de Milton consegue não só introduzir conteúdos heterodoxos, mas carregar textos com perguntas e referir a fontes ao leitor inteligente e atento. Em um texto em que pede a liberdade para buscar a verdade e a salvação, o rechaço de Arminius, que havia sido persiguido por suas idéias, é chocante.1067 O próprio texto da passagem é irônico, pois sustenta que, como agudo e perspicaz que era, a Arminius bastou ler um livro, de um autor de Delft (possivelmente Dirk Coornhert) para converter-se ao livre arbítrio. A dissimulação que Milton utiliza nesras citações é uma tática relacionada ao probabilismo e o latitudinarismo moral, como mostra a condenação de Calvino ao mesmo Dirk Coornhert por nicodemismo. A citação nos permite afirmar que, na época que escreveu Areopagita, o inglês tinha um conhecimento de primeira mão das doutrinas arminianas, pois só podia ter encontrado a relação da converção de Arminio ao livre arbítrio na De vita et Obitu D. Iacobi Arminii oratio de Petri Berti.1068 Que Milton conhecia a obra de Berti parece exprimir-se dos adjetivos com os quais qualifica a Arminius no Aeropagita (1644): accute and distinct, que são uma tradução dos de Berti: perspicué y distincté.
Estas declarações retóricas de ortodoxia tem enganado os redatores da edição crítica das obras em prosa de Milton, que mantém sua ortodoxia pelo menos até sua última confissão no ano de 1664, sem se dar conta, as confissões não são em terminologia protestante, senão puro lip-work.1069 Os estudiosos também se apóiam nas primeiras obras, naquelas que defende a disciplina eclesial presbiteriana, para afirmar sua proximidade as ideias calvinistas, mas está claro que baseia suas argumentações em ideias arminianas e que a aceitação da disciplina presbiteriana é um movimento tático que visa a redução da igreja da Inglaterra com a intenção de alcançar mais liberdade e tolerância. 1070 Porém as manifestação mais evidente da conservação de posturas arminianas por Milton nos ofertam por suas próprias obras.
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A teologia arminiana de John Milton
Todas as obras de Milton que temos analisado contêm componentes arminianos, porém, para expor seu pensamento, temos feito especial uso daquelas que não tem um fim diretamente político, e que ocupam uma extensão temporal coincidente com a sua vida produtiva: Paradise Lost, The Art of Logic, The Doctrine and Discipline of Divorce y Tetrachordon.
Contra as previsões que se podem receber por se tratar de um texto poético, que são de esperar as correspondentes licenças com o material teológico, o Paraíso Perdido (1674) se revela como uma obra muito consistente e rica em teologia. Não é estranho que, em um momento, em que a justificação e a salvação é um tema central em toda a Europa, nosso autor fixe sua atenção no Gênesis, o texto sobre o qual gira a discussão sobre a natureza humana e os efeitos da o pecado original. O Paraíso é uma obra de política religiosa que pretende marcar definitivamente as linhas da leitura de Gênesis, entre outras, sob pauta arminiana. Em suma, esta corrente permitia tal atividade, ao aceitar a capacidade do homem para interpretar as Escrituras. Em segundo lugar temos elegido o “The Art of Logic” (1673), um tratado de lógica que segue um modelo ramista e que nos recorda muito algumas partes das “Disputaciones Metafísicas”, pois, de maneira similar, contém, em algumas de suas partes, pequenos ensaios teológicos. Seu caráter escolástico se faz muito interessante para uma comparação terminológica com as doutrinas dos jesuítas. Sua primeira "The Doctrine and Discipline of Divorce” e “Tetrachordon” têm também uma grande carga teológica e jurídica, pelo que nos serviram fundamentalmente para analisar sua compreensão da lei de Deus. Em quarto lugar, dispomos da “De doctrina christiana”, um manual teológico que, apesar de retomar o título de Agostinho, é muito heterodoxa e tem traços escolásticos. Foi descoberta em 1823, atribuída a nosso autor e incluída na edição crítica de suas obras, em “John Milton Complete Prose Works”. O problema dessa obra é que sua autoria permanece incerta. Como conclusão da disputa sobre sua atribuição, que Hunter pois em duvida e atribuiu a um arminiano holandês, parece poder resumir-se que Milton havia trabalhado nela boa parte de sua vida e especialmente nos anos de criação do Paraíso Perdido (Paradise Lost). Porém, devido provavelmente à cegueira e a troca de amanuenses, que deveriam ser confiáveis por conta da natureza herética do texto, permaneceu inacabado, e suas ideias podem não refletir com certeza as de Milton. Não pretendemos agregar-lhe De Doctrina, senão, só nos servirmos delas, ao ser claramente arminiana, como instrumento interpretativo para analizar o arminianismo de Milton. O fardo da prova de arminianismo recai só nas outras obras.1071 Na continuação, analisaremos a concepção miltoniana de livre arbítrio e das ideias que dela derivam na teodicéia, a soteriologia e o direito.
3. I. B1. Livre arbítrio: libertas a necessitate e aequilibrium indifferentiae
Como Molina, Milton parece preferir o uso do substantivo “libertad” (freedom, liberty) ou do adjetivo “livre” (free) ao composto “livre arbítrio” (free will),mas no Paraiso 1072 e De Doctrina 1073 usa-os como termos sinônimos, pois aparecem no mesmo contexto em que antes encontramos o termo liberdade. 1074 A equiparação ou dissolução do conceito de livre arbítrio no de liberdade, quiçá, efeito do pelagianismo, estando já difundida na Inglaterra em meados do sec. XVII, como mostra a obra póstuma de Hammond “The extracts of Three Letters Concerning Gods Prescience reconcilied with Liberty and Contingency” cuja marca molinista/arminiana é clara na substituição de livre arbítrio por Liberty no desejo de reconciliação dos mesmos conceitos que na Concordia. A substituição do termo free will (livre arbítrio) por liberdade podem culminar na rejeição do termo, não de seu conteúdo, no Essay de Locke.
Talvez o momento onde o Paraiso glosa com maior precisão a doutrina soteriológica seja nos versos 93 – 132 e 172 – 202 do Livro III. Neles, deus prevê a queda do homem, porém afirma que nem a sua presciência nem sua vontade o tem predestinado para a queda, mas que, pelo contrário, o decreto para ele é a liberdade, pelo que o dotou de razão e
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vontade suficiente para não cair. Desta forma, Deus “limpa sua própria justiça e sabedoria de toda imputação” 1075 de ser a origem do mal. Deus manifesta o propósito de conceder sua graça ao mundo para que este não morra eternamente, a condição de que se satisfaça sua ofensa, momento em que Cristo oferece seu sacrifício como meio para que o homem recobra suas faculdades naturais . A seguir, Milton versa a formula soteriológica para o homem caído, para quem o decreto da salvação é universal e condicional e onde o arrependimento, a aceitação voluntária da chamada universal a graça e a obediência são os caminhos para a salvação. Em seguida, analisaremos mais cuidadosamente essas passagens e outras que ajudam a perfilar seu significado. Nossas explicações serão esquemáticas, porque o leitor já tem recebido informações suficientes no capítulo dedicado a Molina, com quem as concepções de Milton guardam uma notável semelhança.
Pois o homem crerá em suas mentiras (de Satanás) / E facilmente quebrará o único mandamento / A única cura de sua obedência: assim cairá / Ele sua descendência sem fé: De quem é a culpa? / De quem, senão sua? Ingrato recebeu de mim (Deus) / tudo o que podia ter; Fiz-lhe justo e reto, / Suficientemente para ter suportado, porém, livre para cair / Assim criei todos os poderes etéreos / e os espíritos, ambos, os que resistiram e os que caíram / livremente resistiram e caíram. / Se não tivessem sido livres, que prova sincera poderiam ter dado? / De verdadeira aliança, fé e amor constante?1076
Deus prevê que o homem irá escutar as mentiras de satanás e violar o únio mandamento que lhe deu, rompendo sua obediência e perdendo-se ele e a sua descendência “falta de fé” (faithless progeny). Esta falta de fé parece indicar que Milton vá usar a doutrina protestante da falta de fé como características dos caídos. 1077 mas nos versos seguintes a filiação arminiana de seu pensamento fica clara: Deus fez o homem reto e justo, deu-lhe força suficiente para resistir à tentação, mas também, falibilidade e liberdade para cair, 1078 de maneira que a queda não é preordenada pela vontade divina, senão que depende somente da livre vontade dos anjos e dos homens, que eram, portanto, livres/ caindo ou resistindo”.1079 Esta liberdade para cair ou manter-se em
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obediência a Deus é um dos aspectos ou modos pelo qual se manifesta o livre arbírio. As mesmas concepções se repetem em outros versos:
Sem liberdade, que glória receberia 107/ eu?. Ou, que deleite dessa obediência?, / Sem vontade o razão (a razão é escolha), / Inúteis e vãs despojads de liberdade, / passivas para a necessidade obedeceriam, / E não a mim. Mas, como era correto. / Assim foram criados”.1080
Milton demonstra que a razão e a vontade, as duas faculdades componentes do livre arbítrio, devem ser livres para ser úteis, para poder atuar moramente e mostrar a obediência pela qual o homem se faz agradável a Deus. Afirma que estas faculdades estão livres de sujeição à necessidade, isto é, libertas a necessitate como base da liberdade e do livre arbítrio. Aceita também a mesma fundamentação da libertas a necessitate que propõe Molina, que, com base, especialmente na contingência da vontade, pois sustenta que após a restauração das faculdades por Cristo, “está armada contra todas as tentações”. 1081 O que repete no livro V onde reafirma que o homem mantém, após a queda, o livre arbítrio e que este é incompatível com a necessidade e o destino, e concede poder ao homem para obedecer voluntariamente a Deus e alcançar a felicidade. Ou de outra maneira, só a ausência da necessidade na escolha libera a razão e a vontade e pemite o livre arbítrio.1082 Na De Doctrina, a esitência da razão se supõe como suficiente condição do livre arbítrio. 1083 Milton também manifesta que a liberdade permite a prova do homem e que é a obediência livre que encontra aceitação em Deus. Todas estas ideias são essencialmente idênticas as que mantêm Molina e sua Concordia. Para nós, ademais, os versos acimas citados tem uma significação fundamental, pois é uma citação quase literal da afirmação que, já em 1644, concentra a argumentação em favor da liberdade de imprensa no Aeropagita (alí “for reason is but choosing”, aquí “Reason is but choice”) (ver 3. II. C1. O livre arbitrio como probabilidad intrínseca).
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Mas, como vimos no segundo capítulo, a mera existência de um arbítrio livre, com libertas a necessidade, e capacidade de raciocínio não pressupõe a liberdade, pois a verdadeira liberdade, sustenta Milton, exige obedecer a Deus hispostasiado na razão, o que afirma nos seguintes versos: Deus deixou livre a vontade, para que obedeça / a razão é livre e feita pela razão correta”.1084 A necessidade da escolha racional para alcançar a liberdade se mantém claramente em The Art of Logic.1085 Milton está afirmando também uma concepção similar a de Molina que considera a verdadeira liberdade como a busca da felicidade através da obediência e a razão (ver algumas concepções políticas desta ideia em 3. V A. O remédio da tirania e as contradições da virtude).
Milton também baseia seu conceito de livre arbítrio nos mesmos princípios que propõe Molina (estudaremos a autonomia no próximo ponto parágrafo b). Assim, por exemplo, menciona a contingência e a indeterminção ao longo do texto (contingency, chance, risk, hazard), e diz que, ainda que Deus seja livre delas, restringe sua vontade e não exerce sua onipotência a fim de permitir sua existência no mundo.1086 Pelo contrário, Satanás usa a contingência (chance) introduzir-se no Paraiso e seduzir o homem,1087 permitindo sua queda e salvando a justiça divina. Origem do pecado ou da livre obediência, os anjos caídos e os homens se vêem submetidos a ela.1088 (Para as consequências políticas da contingência: 3. IV. F1. Probabilismo e ordenação divina de poder ou 3. II. C2. A dúvida e a probabilidade como base da indiferença).
Também sustenta que para que a escolha seja livre as opções devem aparecer equilibradas à percepção do homem, como se fossem indiferentes, não necessárias:
“Outra vez renovarei, / Seus poderes caídos, ainda que tenham sido escravizados, / Pelo pecado de loucos e exorbitantes desejos: / Sustentado por mim se levantará outra vez / Sobre um solo equilibrado – nivelado – frente a seu mortal inimigo, / Mantido por mim para que entenda, quão frágil, / Sua condição caída é e como a mim deve, / oda a sua libertação e sómente a mim”1089.
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Em solo equilibrado (even groud) que permite ao homem enfrentar o mal apesar do pecado, é uma metáfora do aequilibrium indifferentiae que, segundo Sergio Nelli, é a marca característica do molinismo.1090 A imagem se volta a repetir no livro X onde se afirma que nenhum decreto divino concorreu (concurring) a necessitar a queda, pois Deus desejou ao homem a sua própria escolha realizada em uma balança imparcial ou nivelada (even).1091
Ademais, a graça que restaura as faculdades fazendo-as equilibradas frente ao mal e “não concorre” na decisão é conceitualmente idêntica ao “concurso indiferente” de Molina. Assim, o livre arbítrio em Milton também se manifesta na liberdade de secolha contraditória.1092 Para terminar de perfilar a idéia do concurso indiferente, Milton afirma com terminações idênticas as de Molina, que a graça não determina a escolha do arbítrio, pois só “convida”1093 e não é irresistível, pois pode ser desprezada.1094 Esta ideia é chave para entender a condicionalidade da salvação que ambos defendem.
Muitas das características do livre arbítrio se resumem nos molinistas em um par de conceitos como causa eficiente, agente livre, etc. Os poemas não são lugar para buscar terminologia de sabor escolástico, mas em Art of Logic e De Doctrina as similitudes doutrinárias se traduzem inclusas em uma terminologia similar a que usam os jesuítas. Na promeira, Milton faz uma dissertação teológica em que sustenta que “as causas que atuam através da natureza, o fazem por necessidade, enquanto que as que atuam através de deliberação, o fazem livremente”, retomando, assim, as categorias de causa natural e livre dos escolásticos. “Atuam livremente, continua, aquelas causas (...) que se guiam pela razão e deliberação, como os anjos e o homens (...). Porque a liberdade é o poder de fazer ou não fazer isto ou aquilo, a menos, por suposto, que Deus queira outra coisa ou alguma outra força interfira violentamente”.1095 As similitudes com a definição da liberdade de Suarez, que também se refere aos seres que atuam através
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da deliberação causas livres, são patentes.1096 Se o homem tem liberadade de ação,1097 continua Milton, pois Deus não influi na sua escolha, é “causa eficiente”1098 e independente1099 de suas próprias ações, uma designação que também usa Molina. Na obra de Molina o livre arbítrio constitue o homem como agente livre, um conceito usado com assiduidade em De Doctrina: “God of his wisdom determined to create men and angels reasonable beings and therefore, free agents”.1100 Para Milton, o homem ó perde com a queda a felicidade (os dons espirituais) e a imortalidade, pois com o sacrifício de Cristo e a infusão do espírito recupera seus dons naturais,1101 de forma que, como Molina,1102 o livre arbítrio renovado pelo espírito mantém no homem a imagen de Deus1103 e sua dignidade.1104 Em De Doctrina se repete a relação entre a persistênia da imagem divina no homem, os dons naturais restituídos e sua dignidade. O homem é a imagem de Deus porque é agente livre, tem a sagarda capacidade da razão e isto lhe permite fazer boas obras e indiferentes. 1105 (Algumas repercuções políticas desta ideia no: 3. II. C1. O libre arbítrio como probabilidade intrínseca)
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1056 Lebniz, G. Essays de theodicee.
1057 Skinner, Quentin. Foundations. II. p. 323.
1058 John Milton. Political Writings. Dzelzainis, Martin (ed.) The Tenure of Kings and Magistrates. A Defense of the
People of England. Cambridge: Cambridge U.P. 1991. p. X. Véase, también Dzelzainis, Martin. “Milton’s Classical
Republicanism” en Armitage. Op. cit. p. 16.
1059 “Irenaeus, Epiphanius, Jerom and others discover more heresies then they well confute, and that oft for heresie which
is the truer opinion”. Areopagitica. pp. 517-18.
1060 “Aristotle therefore, whom we commonly allow for one of the best interpreters of nature and moralitywrites in the
fourth book of his politics”. Cit, en Tenure. p. 12 “Aristotle and Marcus Cicero, most sagacious authors if any others
are”. Defence. p. 80. Também cita no Divorce, Colasterion y Tetrachordon.
1061 “Tanto Epicuro como a liberina escola de Cirene o (…) os cínicos nunca foram postos em questão pelas leis
(em Atenas)”. Areopagitica. p. 494.
1062 Areopagitica. p. 498.
1063 Bonno, G. D. 1955. Les relations intellectuelles de Locke avec la France. Berkeley: University of California Press.
1064 Vid (The) Grotian Religion Rediscovered (1658) onde reivindica o Sínodo de Dort e acusa a Grotius de papista.
1065 Divorce. p. 293.
1066 Areopagitica. pp. 519-520.
1067 “Those books (…) which are likeliest to taint both life and doctrine, cannot be suppresst without the fall of learning,
and of all ability in disputation, (…) and that evill manners are as perfectly learnt without books (…) and evill doctrine
not with books can propagate (…) I am not able to unfold, how this cautelous enterprise of licencing can be exempted
from the number of vain and impossible attempts”. Areopagitica. pp. 520-21.
1068 Que foi reimpresa como Iacobi Arminii Opera Theologica en 1635 en Frankfurt.
1069 Tomas Corns que o exercício do livre arbítrio foi importante para seus primeiros tratados. Corns, Thomas N.
“Milton’s antiprelatical tracts and the marginality of Doctrine”, en Dobranski. Op. cit. pp. 39-48.
1070 Milton, John. 1953. Complete Prose Works. New Haven: Yale University Press. Vol. II. Part One: The Background.
Chapter I. p. 2.
1071 Hunter, William B. 1992. "The Provenance of John Milton’s Christian Doctrine." SEL (Studies in English Literature).
Vol. 32:pp. 129-142. O debate suscitado deu lugar a um número temático dedicado ao problema no SEL: Lewalski,
Barbara K., John T. Shawcross y William B. Hunter. 1992. "Forum: Milton’s Christian Doctrine." SEL (Studies in
English Literature). Vol. 32:pp.143-166. Também respondeu Kelly, Maurice. 1994. "Forum II: Milton’s Christian
Doctrine. The Provenance of John Milton’s Christian Doctrine: A Reply to William B. Hunter." SEL (Studies in English
Literature). Vol. 34:pp. 153-63. En la disputa medió, también, Hill, Christopher. "Professor William B. Hunter, Bishop
Burgess, and John Milton." SEL (Studies in English Literature). Vol. 34:pp. 165-186. William Hunter cerró el debate con
Hunter, William Bridges. 1998. Visitation Unimplor'd: Milton and the Authorship of 'De doctrina Christiana'. Pittsburgh,
Pa.: Duquesne University Press.
1072 “But other Powers as great / Fell not, but stand unshak'n, from within 65 / Or from without, to all temptations arm'd. /
Hadst thou the same free Will and Power to stand? / Thou hadst: whom hast thou then or what to accuse, / But Heav'ns
free Love dealt equally to all”. Paraíso. Book IV. O bien “Hindered not Satan to attempt the mind/ Of man, with strength
entire and free Will armed, / Complete to have discovered and repulsed / Whatever wiles of foe or seeming friend”.
Paraíso. Book X. Vs. 8-11.
1073 “The (…) object of the divine plan was that angels and men alike should be endowed with free will (libero arbitrio),
so that they could either fall or not fall. (…) God’s actual decree bore a close resemblance to this, so that all the evils
which have since happened as a result of the fall could either happen or not: if you stand firm, you will stay; if you do not,
you will be thrown out”. “To sum up in a few words. By virtue of his wisdom God decreed the creation of angels and
men as being gifted with reason and thus with free will”. De Doctrina. pp. 163 y 164, resp.
1074 Paraíso. Book III. V. 103.
1075 Paraíso. Book III. Argument.
1076 Paraíso. Book III. Vs. 94 – 105.
1077 “For man will heark'n to his glozing lyes, / And easily transgress the sole Command 95 /Sole pledge of his obedience:
So will fall, / Hee and his faithless Progenie”. Paraíso. Book III.
1078 “Whose fault?/ Whose but his own?, ingrate, he had of mee/ All he could have; I made him just and right, / Sufficent
to have stood, though free to fall”. Paraíso. Book III. Vs. 98-100.
1079 Paraíso. Book III. Vs. 95-6.
Anatomía de la libertad
1080 Paraíso. Book III, Vs. 107-113.
1081 “But other Powers as great / Fell not, but stand unshak'n, from within 65 / Or from without, to all temptations arm'd. /
Hadst thou the same free Will and Power to stand? / Thou hadst: whom hast thou then or what to accuse, / But Heav'ns
free Love dealt equally to all? / Be then his Love accurst, since love or hate 70”. Paraíso. Book IV. Vs. 64-70.
1082 “Attend (dice Rafael a Adan y Eva): That thou art happie, owe to God; / That thou continu'st such, owe to thy self, /
That is, to thy obedience; therein stand./ This was that caution giv'n thee; be advis'd. / God made thee perfet, not
immutable 525 / And good he made thee, but to persevere / He left it in thy power, ordaind thy will / By nature free, not
over-rul'd by Fate / Inextricable, or strict necessity; / Our voluntarie service he requires, 530 / Not our necessitated, such
with him / Finds no acceptance, nor can find, for how / Can hearts, not free, be tri'd whether they serve / Willing or no,
who will but what they must / By Destinie, and can no other choose? 535”. Paraíso. Book V.
1083 “By virtue of his wisdom God decreed the creation of angels and men as being gifted with reason and thus with free
will”. De Doctrina. p. 164.
1084 “God left free the Will, for that obeyes/ Reason is free, and Reason he made right”. Paraíso. Book IX, Vs. 351-352.
1085 “Only those causes act freely ex hypothesi which do things through reason and deliberation, as angels and men”. The
Art of Logic. I Ch. V. pp. 226-7.
1086 “Though I uncircumscrib'd my self retire, 170 / And put not forth my goodness, which is free / To act or not,
Necessitie and Chance/ Approach not mee, and what I will is Fate”. Paraíso. Book VII.
1087Por ejemplo: Paraíso. Book IV. V.530.
1088 Paraíso. Book II. Vs. 285-90.
1089 Paraíso. Book III, Vs. 172-182.
Anatomía de la libertad
1090 Nelli, Sergio. 1982. Determinismo e libero arbitrio da Cartesio a Kant. Torino: Loescher. p. 11 y ss.
1091 “On his bad Errand, Man should be seduc't / And flatter'd out of all, believing lies / Against his Maker; no Decree of mine / Concurring to necessitate his Fall, / Or touch with lightest moment of impulse 45/ His free Will, to her own
inclining left / In eevn scale”. Paraíso. Book X. Véase también Treip, Mindelene Ann. 1991. "Reason is Also Choice?
The Emblematics of Free Will in Paradise Lost." SEL (Studies in English Literature). Vol. 31:pp. 147-177.
1092 “For freedom is the power to do or not to do this or that, unless of course God wills otherwise or some other force
violently interferes”. The Art of Logic. I Ch. V. pp. 226-7.
1093 “While offered grace / Invites” Paraíso. Book III. Vs. 187-88.
1094 “Por la vocación interna sólo se sienten estimulados e invitados, pero (…) los actos emanan del libre albedrío, sin
cuya colaboración, prácticamente no existirían” Concordia. p. 40. Dis. 5. § 8. Véase también Concordia. p. 221, dis.10.
1095 The Art of Logic. I Ch. V. pp. 226-7.
Tradução livre do espanhol: Lailson Castanha
Fonte:http://eprints.ucm.es/7742/1/T29802.pdf
http://eprints.ucm.es/7742/
*Conteúdo componente da Tese doutoral ANATOMÍA DE LA LIBERTAD: EL LIBRE ARBITRIO Y EL FUNDAMENTALISMO PROTESTANTE, EL ANTIRRIGORISMO ESCOLÁSTICO Y EL REPUBLICANISMO HUMANISTA, apresentada por Carlos Martínez Valle na UNIVERSIDAD COMPLUTENSE DE MADRID
FACULTAD DE CIENCIAS POLÍTICAS Y SOCIOLOGÍA Departamento de Historia del Pensamiento I
Imagem: John Milton
Obrigado por traduzi-lo, Lailson. Excelente trabalho de Carlos Martínez Valle.
ResponderExcluirUm forte e afetuoso abraço.
Douglas Martins
Companheiro Douglas, saúde.
ResponderExcluirFiquei muito feliz ao me deparar com a tese de Carlos Martínez Valle.
É interessante saber que um dos maiores literatos do Ocidente teve a teologia arminiana como uma de suas influências. E o que torna esse fato mais interessante ainda, é que essa influência trafega em sua obra.
Pode-se encontrar na web outro interessante texto de Martínez Valle intitulado:CONCIENCIA LIBRE Y "LEY NATURAL" EN EL CALVINISMO Y MOLINISMO no seguinte endereço:
http://revistas.um.es/respublica/article/view/62101
Exatamente, Lailson.
ResponderExcluirConheci o primeiro trabalho - a sua tese de doutorado - originalmente no site da Universidade Complutense de Madrid. E me surpreendeu a profundidade dos temas tratados.
Em minha opinião, precisamos incentivar e avançar na formação do nosso próprio pensamento. Fundamentado nas Escrituras, inserido no nosso contexto latino americano, montar a nossa própria 'biblioteca'. Um ótimo exemplo é Justo Gonzalez, cubano, metodista, que trouxe e tem trazido contribuições significativos para o pensamento latino americano. Carlos Martínez Valle não está atrás. E também, na tradução de obras de qualidades do inglês.
Obrigado por enviar o link do outro artigo.
Tudo de bom pra você.
Douglas Martins
http://arminianos.wordpress.com/
Douglas,
ResponderExcluirDepois de saber, através de Martínez Valle que “O Paraíso é uma obra de política religiosa que pretende marcar definitivamente as linhas da leitura de Gênesis, entre outras, sob pauta arminiana” fiz um download da obra Paraíso Perdido para examiná-la e ver se percebo nesse clássico poético da literatura mundial, a exemplo de Martínez Valle, o fluxo de ideias arminianas. Desejo obter a obra em brochura para enriquecer minha biblioteca.
Quanto à necessidade de incentivar e avançar na formação do nosso próprio pensamento -, é uma tarefa por demais urgente. A respeito da articulação e estruturação do pensamento arminiano no Brasil, quem sabe, se inicie com a sua doação e também companheiro de esforços pela propagação da Teologia Arminiana, Paulo Cesar. É uma questão de diálogo e de engajamento. O epíteto de seu sítio é bem sugestivo: Sociedade arminiana em lígua portuguesa. Se conseguirmos implementar efetivamente essa sociedade, com reuniões e ações práticas, projetos acadêmicos, seminários, colóquios e afins, creio que o pensamento arminiano no Brasil ganharia mais consistência intelectual. Movimentando-nos teríamos mais força para influenciar editores à escolha de edições de livros arminiano, por exemplo, a própria obra completa de Arminius e a de Roger Olson - arminianismo: mitos e realidades. No Brasil, os filósofos personalistas, que dão continuidade a Filosofia Personalista preoblematizada pelo francês Emmanuel Mounier estão seguindo essa proposta, a formação de uma associação intelectual em torno a obra do filósofo personalista.
Temos críticos e comentaristas arminianos em potencial. O site e o fórum arminianismo.com destaca alguns deles. Contamos também, com o Bispo José Ildo Swartele de Mello, um competente e esclarecido arminiano wesleyano. Só falta a ação e busca de estreitamento de vínculos. Se não nos engajarmos, o arminianismo no Brasil jamais perderá sua timidez intelectual.
Saúde.
Lailson,
ResponderExcluirO seu desejo é por demais urgente e necessário. E é o meu também. Implementar no Brasil reuniões e projetos acadêmicos, seminários e ações práticas - como você aportou - saiba que é um dos meus sonhos. Termos a nossa própria Editora Arminiana para a tradições de livros e a divulgação do pensamento arminiano tão mal representado pelos 'reformados' e as editoras, seria "una bendición".
Me alegra saber que temos teólogos e homens de Deus engajados neste propósito.
Sobre a Filosofia Personalisa, confesso que andei pesquisando nas livrarias aqui em Buenos Aires as obras de Emmanuel Mounier. Vou começar a juntar um dinheiro para comprar sua obra principal. Você poderia me indicar suas principais obras e livros de outros autores que falam a respeito dele?
A minha oração, companheiro Lailson, é para que Deus nos guie e nos dê as condições necessárias para colocarmos esses projetos - num futuro não distante - esses desejos e projetos em ação.
Abraço.
Companheiro de fé e de idéias Douglas,
ResponderExcluirCreio que a editora brasileira de Teologia Arminiana saíra. Creio que o esforço daqueles que estão a lutar para suprir a ausência de obras arminianas em língua portuguesa, seja através de através de traduções espontâneas, de páginas na internet que divulgam essa tão tradicional, e tão ignorada vertente teológica, se não representam a pedra fundamental desse projeto, pelo menos com o seu influxo, impulsionará. O que não falta é, além da necessidade, demanda. Fico feliz em contar com o seu engajamento.
Sobre a Filosofia Personalista, seus correligionários, os filósofos personalistas, estão a travar uma luta semelhante à luta da comunidade arminiana do Brasil. A Associação Amigos de Emmanuel Mounier do Brasil está em fase de construção (acolhimento de pessoas). Uma das ações que essa associação irá depressa se envolver, é a luta pela republicação de obras que atualmente estão fora de catálogo nas editoras brasileiras, e de títulos clássicos ainda não publicados em língua portuguesa, além, é claro, da luta pela publicação de obras de autores locais.
Tenho um bom acervo de Filosofia Personalista. Quase todas as obras foram adquiridas em sebos, algumas em sebos virtuais. Apesar de essa vertente filosófica ter sido revigorada na França, na figura do filósofo Emmanuel Mounier, encontra-se boas obras de autores hispânicos versando sobre o personalismo de matriz mounieriana.
Para uma primeira impressão, faz-se necessária a aquisição da obra “O personalismo” de Emmanuel Mounier. Uma obra singela, porém esclarecedora. O livro “Manifesto ao serviço do personalismo” também é importante para esclarecer as metas da filosofia personalista, o que ele propõe e o que rejeita. Se você se interessar por entender como o personalismo dialoga com as correntes contemporâneas, o livro “Introdução aos existencialismos” fará você compreender. O filósofo francês em “A esperança dos desesperados –Malraux – Camus – Sartre – Bernanos” – provoca os pensamentos absurdistas e céticos explicitando em alguns de seus grandes representantes traços de esperança que eles tentam negar. Sobre essa questão, Mounier formula um interessante aforismo: “É absurdo que tudo seja absurdo.”
Destaco também, duas interessantes obras de comentaristas, a saber: “O pensamento de Emmanuel Mounier” de Candide MOIX e “A antropologia personalista de Emmanuel Mounier” de Antônio Joaquim Severino.
Mounier era um católico fervoroso, porém, apesar de sua fé católica, não deixou de contar com colabores protestantes -, a fim de enriquecer as páginas da revista Esprit que fundou juntamente com outros personalistas. Entre esses protestantes deve-se destacar: Paul Ricoeur, seu grande amigo, Denis de Rougemont e Karl Barth.
Quando se fala em personalismo, em suma, fala-se do conceito filosófico que defende que a pessoa humana deve viver em um “espaço” físico temporal que proporcione a vivência de sua pessoalidade, de sua vocação histórica. Para que isso seja possível, faz-se necessário lutar contra, o que Mounier chama de “Desordem estabelecida” e a “Ordem imposta”, modelos inadequados para a vivência da pessoa humana em sua integralidade.
Abaixo deixo dois links de sítios que abordam temas personalistas:
http://personalismomounieriano.blogspot.com/
http://filosofiapersonalista.com.br/
Saúde.
lailson,
ResponderExcluirTenho que admitir que os meus conhecimentos em Filosofia, tanto a filosofia histórica, como a 'Filosofia Personalista', é muito pouco. Atualmente, estou lendo: "La filosofia en la história de Occidente: Pensamiento Greco-Latino" 2 Volumem, do escritor Jorge Osvaldo Pérez. Ao total são 7 tomos, com 2 volumem cada um. A Idade Média, o Renascimento e inicio da Idade Moderna; Idealismo, Empirismo Inglês; O Iluminismo; Criticismo. Idealismo Alemão. Século XIX e Século XX. Eles foram publicados em 1975. Tenho a primeira edição. Está sendo uma leitura fascinante.
Então, a partir desses leiturasfilosofia histórica e também do pensamento de Søren Kierkegaard nasceu o meu interesse pelo filósofo Emmanuel Mounier. E também através do seu blog.
Agradeço profundamente as indicações dos livros e das sugestões.
A minha própria aquisição será “O personalismo” de Emmanuel Mounier. Vou comprá-lo em espanhol e me aventurar livro adentro.
Um forte abraço. Que o Senhor Deus te guie.
Douglas
Amigo Lailson,
ResponderExcluirSobre o Personalismo eu tenho (no meu computador) os seguintes trabalhos em espanhol: "El concepto de Reflexión en el Joven Mounier" do autor Antonio José Cobo, Universidade de Granada" 426 páginas. "Sobre la idea de acción en el personalismo mouneriano" do autor Josó Manuel Bautista Vallejo; Universidde de Costa Ria; 11 páginas. "Mounier y el padre Pouget*
La fe y la razón: un binomio posible" do autor Nunzio Bombaci; Facultad de Filosofía; Universidad de Messina. Italia. e também "E. MOUNIER (1905-1950)Y EL PERSONALISMO" do auor: Ramon ALCOBERRO; Universitat de Girona; 9 páginas. E ainda outro do próprio Mounier: Emmanuel Mounier - El Personalismo - Eudeba 1972. 62 páginas. Também "el pacto Atlantico" e Emmanuel Mounier y Jesús de Nazareth, un diálogo de dos milenios da autora María Guadalupe Quintero de Berna. 4 páginas. E aoutros artigos pequenos. Vou começar por eles.
Abraço.
Saúde, companheiro Douglas.
ResponderExcluirVocê começa bem na introdução ao personalismo.
Acesse o endereço lailsonvastanha@yahoo.com.br – afim de ampliar nosso canal de comunicação e também compartilhar alguns arquivos de filosofia, teologia e literatura.