sábado, 8 de janeiro de 2011

Os desígnios de Deus e a obstinação do homem.

Os desígnios de Deus e a obstinação do homem.

Muito se tem falado a respeito dos desígnios de Deus para com os homens. Nas discussões a esse respeito conjectura-se positivamente ou negativamente a respeito de conceitos como soberania de Deus, alteridade, livre arbítrio e predestinação e determinismo. É muito raro em uma discussão sobre os desígnio de Deus a ausência dos conceitos que foram destacados.

Quando falamos em desígnios não podemos fugir algumas indagações investigativas, como, e por exemplo: tudo o que acontece conosco, positivamente foi um desígnio de Deus? Em outras palavras podemos indagar: tudo o que acontece, é fruto de uma vontade positiva de Deus? Ou mesmo: - alguns eventos ocorrem por Sua permissão e nem sempre por sua determinação intencionalmente positiva? - Tudo que nos ocorre, é fruto de uma intencionalidade direta de Deus, ou, sua soberania não implica um intenso controle direto sobre todos os eventos? - ou também: o homem pode ser responsabilizado diretamente por alguns eventos que ocorrem em sua existência ou através ou mesmo a partir dela, ou tudo o que acontece tem que ser apresentado como vontade positiva e intencional de Deus?

Na medida em que essas indagações, que se manifestam de várias formas, forem respondidas, configurar-se-á então, a maneira que consideraremos Deus e o seu caráter, a forma em que interpretamos os eventos que ocorrem em nossa existência e a forma que devemos nos posicionar diante dos acontecimentos que se nos apresentam, e a maneira que julgaremos as nossas intenções e ações. É certo que, se buscarmos respostas sobre questões transcendentes usando apenas ferramentas existenciais, nosso intento não terá êxito – por conta da limitação do alcance que a ferramenta que usamos alcançará. Temos que, além de nossas ferramentas existenciais, nos apropriarmos da revelação escriturística, procurar entender, o que ela tem a nos dizer a esse respeito.

Lendo os Salmos 81 percebe-se claramente insights reveladores sobre a questão que estamos a destacar. Lendo esse texto, o anuviado problema do desígnio de Deus/responsabilidade do homem é iluminado. Nesse Salmo, depois de uma série de convocações e lembranças das coisas que Deus houvera feito a favor de Israel, o salmista omite a sua voz, e dá a sua escrita, livre e direto curso à voz de Deus:

Ouve, povo meu, quero exortar-te. Ó Israel, se me escutasses!
Não haja no meio de ti deus alheio, nem te prostres ante deus estranho.
Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito. Abre bem a boca, e ta encherei.
Mas o meu povo não me quis escutar a voz, e Israel não me atendeu.
Assim, deixei-o andar na teimosia do seu coração; siga os seus próprios conselhos.
Ah! Se o meu povo me escutasse, se Israel andasse nos meus caminhos!
Eu, de pronto, lhe abateria o inimigo e deitaria mão contra os seus adversários.
Os que aborrecem ao SENHOR se lhe submeteriam, e isto duraria para sempre
Eu o sustentaria com o trigo mais fino e o saciaria com o mel que escorre da rocha.(Sl 81. 8-16)


Observando esses versos percebemos que Deus apesar de preceituar algumas regras para o seu povo, desejando que as tais fossem observadas, não estabeleceu os seus bons preceitos de maneira irresistível. Deus colocou sobre o homem a responsabilidade de observá-los, de cumpri-los.

Ó Israel, se me escutasses! - Nesse verso percebe-se a expressão plangente de Deus por conta da falta atenção de Israel para com os seus conselhos. Após lamentar a conduta obstinada de seu povo, Deus continuou a afirmar sobre o seu povo, ainda em tom lamentoso:

“(…) Mas o meu povo não me quis escutar a voz, e Israel não me atendeu.”

Se atentarmos para essa expressão, podemos perceber a liberdade que Deus dá aos homens entre seguir ou não seguir os seus desígnios, apesar de desejar que sua vontade seja cumprida. Desse exemplo, podemos tirar pelo menos uma importante conclusão: nem sempre os desígnios de Deus para com os homens são colocados como decretos inelutáveis.
Depois de resolvida uma parte do problema, a saber, se os desígnios de Deus são irresistivelmente estabelecidos, que pelo texto, tivemos a liberdade de crer que nem sempre o que Deus deseja diretamente acontece, continua em aberto, a questão da responsabilidade do homem, problematizada na seguinte indagação: o homem pode ser responsabilizado diretamente por alguns eventos que ocorrem em sua existência ou através ou mesmo a partir dela?


Recorrendo novamente ao texto, somos levados, mesmo que de maneira indireta, a resposta:

Ah! Se o meu povo me escutasse, se Israel andasse nos meus caminhos!
Eu, de pronto, lhe abateria o inimigo e deitaria mão contra os seus adversários.
Os que aborrecem ao SENHOR se lhe submeteriam, e isto duraria para sempre
Eu o sustentaria com o trigo mais fino e o saciaria com o mel que escorre da rocha.


No do conectivo condicional “se”, o texto indica-nos a realidade das possibilidades. Ou seja, para Israel, existia uma possibilidade existencial diferente daquela em que esse povo passou a vivenciar, caso obedecesse ao seu Deus. Essa possibilidade era o que Deus desejou e desejava.

Quando no texto, em nome de Deus é usado o conectivo condicional, afirmando que certos eventos ocorreriam “se” o povo de Israel escutasse a voz de Deus e andasse em seus caminhos, são nos dado a liberdade de crer que algumas coisas deixaram ou deixam de ocorrer por conta de alguns posicionamentos ou posturas humanas. No texto em destaque, por conta da obstinação de Israel em seguir suas próprias ideias, não atentando para os conselhos de Deus, seguindo os caminhos que Deus não desejava que eles seguissem, Israel deixou de vivenciar as benesses que Deus desejou que vivenciasse.

Se alguns eventos deixam de acontecer por consequência de uma determinada postura, segue-se que, outros eventos substituintes ocorrerão. Outrossim, quando fugimos da vontade de Deus, deixamos de herdar o bem que ele preparou para os que o seguem, portanto somos responsáveis por boa parte de eventos negativos que ocorrem em nossa existência, através ou a partir dela. Somos responsáveis porque, por nossa livre escolha, deixamos de atentar para os desígnios de Deus. Só somos efetivamente responsáveis pelas consequências de nossas escolhas, porque somos livres para fazer escolhas autênticas. Se não fossemos livres para praticarmos tais escolhas, não seríamos efetivamente responsáveis por suas consequências.

A mesma implicação se dá em relação ao nosso galardão A responsabilidade humana não diminui ante o chamado à salvação. Sobre essa questão, o apóstolo Paulo nos direciona a ideia de que somos responsáveis em nos qualificarmos diante de Deus, de que temos que nos esforçar para alcançar o galardão, ao contrário do que muita gente defende de que o chamado à salvação dispensa a resposta ou ação efetivamente humana, vejamos:

Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis.
Todo atleta em tudo se domina; aqueles, para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível.
Assim corro também eu, não sem meta; assim luto, não como desferindo golpes no ar.
Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado. (1Co 9.24-27)


Como se pode perceber, Paulo destaca o seu esforço, como uma atitude que tinha como finalidade garantir a sua qualificação. Destaca sua responsabilidade em se mostrar qualificado.
Seguindo a mesma temática da responsabilidade humana, o apóstolo Paulo narra à peregrinação do povo israelita no deserto. No decorrer da narração, falando sobre o povo de Israel, o apóstolo afirma:


“nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar,
e todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar,
e todos comeram de uma mesma comida espiritual,
e beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo.
Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto.” (1 Co 10.1-5).


Na narração do apóstolo Paulo, percebe-se claramente a realidade do povo de Israel. Esse povo andou com Deus, recebeu as bênçãos de Deus. Porém, outra evidência se mostra de maneira trágica: Deus não se agradou desse povo.
Continuando a falar, o apóstolo indica aos destinatários de sua epístola, porque que o povo de Israel foi rejeitado por Deus e por conseguinte, foram prostrados no deserto. Disse o apóstolo:


E estas coisas foram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram.(1 Co 10. 6).

Falando nesses termos, o apóstolo estava a destacar a responsabilidade humana ante a eleição da igreja e a consequente e definitiva salvação do homem. Devemos olhar para a tragédia de Israel e com isso aprender que temos responsabilidades reais em relação ao chamado de Deus.

Ser participante do povo Eleito ou da igreja Eleita não nos exime da responsabilidade e esforço para sermos achados dignos de Deus. A salvação é pela graça. Pela graça podemos nos postar diante de Deus em condição aceitável. A graça nos dá as condições - nos oferece os meios, as ferramentas que nos possibilita postarmo-nos de maneira adequada. Oferecer os meios não significa, portanto eximir-nos da responsabilidade de usar as ferramentas que a graça nos dispôs. Se não usarmos as ferramentas da graça cairemos. Portanto é de nossa total responsabilidade o uso dos meios que a graça nos dispôs a fim de que fiquemos em pé.

“No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder.
Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo.
Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais.
Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça;
E calçados os pés na preparação do evangelho da paz;
Tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno.
Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus;
Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito, e vigiando nisto com toda a perseverança e súplica por todos os santos(...).” (Ef 6.10-18).


Lailson Castanha
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Gravura: Adão e Eva expulsos do Éden de Gustave Doré (1832-1883)

9 comentários:

  1. Meu irmão, me impressiona a quantidade e a leviandade que fazem alguns para sustentar teologias humanas que não encontram correpondência bíblica.
    Aconpanhar essas suas exposições bíblicas, de tão simples compreensão e ao mesmo tempo tão profundas e definitivas, tem sido um alento.
    Fortalece nossa fé perceber que, ao contrário do que pregam alguns que se acreditam mais "eleitos" do que os outros, e ao contrário das mentiras que contam sobre nossas crenças, podemos ter um relacionamento com Deus. É bom saber que, mesmo estando mortos em nossos pecados, Deus nos concede, a todos nós, humanos, a possibilidade de sermos salvos e redimidos.
    Mais uma vez, obrigado pela aula. Fui edificado.

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  2. Saúde, companheiro George.

    O propósito desse trabalho é edificar, é contribuir, em uma apalavra, é servir.
    Fico muito satisfeito em saber que pessoas como você, tem sido edificadas por esse simples empreendimento.
    Realmente, muitas teologias são levianamente sustentadas, e o pior, recebem mais créditos do que teologias que se preocupam em se fundamentar extensamente nas Escrituras.

    Parabéns pelo seu trabalho no site “Palavra que liberta”. Um excelente serviço a comunidade cristã.

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  3. Caro Lailson,

    Instado por um pastor calvinista, descobri-me um arminiano,buscando encontrei seu blog e outros mais, e tenho usado material seu e dele para divulgar no meu blog, espero que não se importe e que me oriente como posso contribuir mais para a divulgação da Teologia Arminiana.

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  4. Fique a vontade quanto a exposição dos textos. Nosso propósito é servir.
    Quanto a divulgação da Teologia Arminiana, creio que postando textos de cunho arminiano você já está a contribuir. Porém, para dar mais qualidade a sua contribuição, leia bastante os textos originais do próprio Jacobus Arminius para ter uma visão clara, não deturpada, dos principais pontos do pensamento arminiano. A leitura de John Wesley -, o primeiro clérigo a assumir a Teologia Arminiana, e de bons comentaristas (que realmente conhecem a Teologia Arminina) é assaz importante.

    Parabéns, por sua disposição em contribuir.

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  5. Obrigado, e incomodando mais um pouco, diz ai aonde posso ler estes homens?

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  6. Ao gerenciador do Blog da Vida Eterna, saúde.

    Fique a vontade, esse espaço é propício para a troca de ideias.

    Para ler a Obras de Jacobus Arminius em inglês, você pode encontrar online na internet ou para download. Como essa obra não foi traduzida para a Língua Portuguesa, o companheiro Paulo Cesar, um profundo conhecedor da Teologia Arminiana, traduziu vários trechos e disponibilizou online no site arminianismo.com na seção – livros. Tenho alguns trechos traduzidos disponibilizadas nas páginas virtuais do Ideário arminiano.
    Para ter acesso as Obras de John Wesley inglês, é só acessar online na internet, ou fazer download de algumas em língua portuguesa .
    O site arminianismo. com - oferece uma série de artigos que, ao lê-los, você ficará bem informado em relação aos grandes temas que envolvem a Teologia Arminiana.
    Deixo em destaque o meu email, pois através desse canal, posso dar-te informações mais precisas sobre livros e bons sites.

    Email: lailsoncastanha@yahoo.com.br

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  7. Caro Lailson...,
    Muito obrigado pela disposição de ajudar-me, anotarei seu e-mail e segue o meu: carlosatalmeida@hotmail.com

    Carlos

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  8. Companheiro Carlos,

    Com muita satisfação, entrarei em contato contigo através de seu email.

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  9. Caro Lailson

    Pode me indicar autores e defensores atuais do arminianismo?
    Fique na Paz.
    Carlos

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