Ideário arminiano. Abordagens sobre a teologia clássica de Jacó Armínio: suas similaridades, vertentes, ambivalências e divergências.

sábado, 27 de novembro de 2010

Relação de alteridade.

Relação de Alteridade.

Em um relacionamento saudável uma das principais buscas é a comunhão entre os relacionistas. Busca-se a comunhão porque existe a distância originária ou a separação originária. A união é a procura do estabelecimento de uma unidade de ideais. Jamais podemos pensar em união eliminando a idéia de separação, ou seja, pensar em união é admitir a realidade da distância originária – o próprio sentido do termo indica a admissão da distância, senão, porque unir-se a alguém? – que por unir alguma coisa? - por que juntar?

Quando falamos em união envolvendo seres racionais jamais podemos admitir uma união sem admissão mútua. Admitir união sem mútuo consentimento é aceitar a redução do ser racional a categoria de objeto, pois apenas as coisas objetivantes são juntadas sem a necessidade de admissão ou de desejo. Quando falamos em união entre seres racionais, uma palavra de forte significação deve vir-nos a tona. Não entendemos efetivamente o significado de união entre seres de razão sem entender o significado de alteridade. Pensar em união, sem admitir a realidade da alteridade é cometer o equivoco de reduzir pessoas a objetos, é confundir uma relação de aproximação mútua com uma colagem artificial coisificante e arbitrária.

Deus é o ser de razão por excelência, como seres humanos, fomos criados a partir de sua razão -, com nossa razão nos assemelhamos a aspectos de sua imagem. Como ser de razão o ser humano ama, expressa sentimentos, cria, e é pessoal, em outras palavras, é uma pessoa que se distingue de outra, que em muito se aproxima, mas que também nutre algumas peculiaridades. Deus é amor em plenitude, em uma palavra, é um ser pleno. Somos distintos de Deus porque Deus é um-Outro, um não-eu. Por outro lado, a aliança proposta por Deus existe porque existe essa alteridade, ou seja, porque existe a concretude do outro, a admissão da existência do outro – não sou Deus e muito menos Deus me é.

Deus criador criou o homem em sua alteridade, como um ser concretamente outro. Sua criação é feliz quando se relaciona com esse criador em amor, quando se apraz em estar junto a Ele, pois estar junto a Deus é estar junto ao Bem Maior, estar afastado de Deus é estar afastado do Bem Maior.

Em sua alteridade Deus e considerando a alteridade do homem Deus não elege o homem a vivência de uma relação de maneira absolutamente predeterminista, nem rejeita uma aproximação nos mesmos moldes; crer em uma aproximação absolutamente determinista é não crer na alteridade de Deus nem na alteridade do homem. Se Deus é outro e o homem também o é, lembrando que são seres de razão, logo qualquer aproximação ou religação, ou também rejeição, como também um completo afastamento só pode acontecer como resposta pessoal a um chamado ou como negação. Determinar qualquer relação sem resposta é determinar uma ligação coisificante e objetivante.

As Escrituras mostram-nos uma maneira diferente de Deus se relacionar com o ser humano, diferente daquelas que alguns círculos dogmáticos protestantes tentam demonstrar. Percebe-se em várias passagens o homem fazendo o que Deus não gostaria que ele fizesse, escolhendo coisas e tomando posições por Deus consideradas reprováveis, porém, apesar da reprovação explicita, mesmo assim, Deus não impede que o homem se distancie de seu desejo, ou, em outras palavras, não siga a sua vontade. O que isso pode significar? Fica claro que Deus não se relaciona com o homem da maneira em que nós nos relacionamos com um objeto. Com um objeto nós manipulamos para cumprir determinadas funções que lhe designamos. Se o objeto não serve, logo o jogamos fora. Os calvinistas gostam de comparar o homem a um objeto e Deus a um objetivador. Deus como aquele que se relaciona com o objeto, como aquele que tem metas traçadas para aquele objeto e o homem simplesmente como o objeto a ser usado e escolhido para a tal meta, e como objeto, usado ou reprovado de maneira indiferente ao seu desejo ou a sua aplicação, para isso, se fixam na alegoria do oleiro e do vaso de barro citada pelo apóstolo Paulo em Romanos 9. Essa apropriação indevida esta ligada a alguns problemas, um deles é porque os que interpretam esse texto como indicando um Deus determinista deixam de observar as fontes escrituristicas que o apóstolo citou. Se observarmos a fonte originária, no diálogo de Deus com Jeremias você pode perceber idéias como arrependimento. Naquela passagem, Deus diz ao profeta se a nação de Israel se arrependesse não seria quebrada, portanto, não se percebe uma a fria e impessoal relação objetivante-objeto . Quanto ao texto de Paulo, a asserção do apóstolo se dá em direção aos homens que, ostentando o título de Judeus não aceitam a sua condição, em direção a eles é que o apóstolo se apropria da alegoria do vaso e do oleiro. Sobre essa questão Jacobus Arminius tem uma excelente expicação, que creio se harmoniza com a forma holística em que as escrituras nos apresentam Deus e sua relação com os homens, vejamos:

Nós devemos agora ver como aquelas coisas que nós atribuímos a Deus naquelas aplicações devem ser compreendidas; a saber, isto “Ele pode fazer da raça humana, fazer vaso para honra e outro a desonra, um homem para receber misericórdia, e outro para ser endurecido pela sua vontade irresistível." A palavra "poder" utilizada aqui, significa não a capacidade, mas o direito e a autoridade. É ejxousi>a não um du>namiv. Por isso, o assunto nesta passagem, não é o poder absoluto pelo qual Ele é capaz de fazer qualquer coisa, mas a razão pela qual é lícito que ele deva fazer qualquer coisa. (1)

Depois Arminius continua:

Deus não fez o homem, que só poderia ser aquilo que ele foi feito, mas, que ele poderia tender a maior perfeição. Também não acho que Deus em Sua própria bondade foi satisfeito, quando ele tinha se comunicado a Si mesmo ao homem, como seu criador, mas glorificou-se a si mesmo, mas, Ele quis comunicar-se ainda mais para o homem, como também "o glorificador do homem;" e que isto poderia ser possível se Ele o dotasse, não só com sua natureza, mas também com dons sobrenaturais. Mas a justiça prescreveu a regra e a medida desta comunicação, a saber, que deveria ser feito só com a condição de que o homem deva viver conforme a imagem divina, na obediência às ordens de Deus, e, desde que se ele pode ser exaltado, ele também pode ser subjugado, — e nada é mais justo de que subjugá-lo, se ele abusar dos dons, que pelo uso direito dos tais ele poderia ser exaltado a mais alta dignidade. (2)

Aqui vemos a alteridade. O homem ou nação feito vaso para desonra, ou honra, recebe misericórdia ou é endurecido, porque Deus levando em consideração os desígnios pessoais desse homem ou os costumes de cada nação levou cada homem ou nação à vivência dos frutos que semeou. Ou seja, deu a cada um segundo as suas obras. No caso da nação Israelita, Deus fez um pacto que pelos israelitas foi quebrado, a quebra desse pacto levou a nação ser desonrada e endurecida. Apesar de escolher uma nação para honra para que essa o honrasse, Deus não impediu que essa nação o desonrasse com os seus atos.

Arminius também nos leva a pensar que a resposta positiva do homem a Deus levaria a si mais honra, e, portanto, o estado de desonra em que vive o homem está relacionado diretamente com a resposta negativa que o próprio homem em sua alteridade direciona a Deus, na liberdade de ser distintamente um outro.

O estado ideal em que o homem se encontra é debaixo da potente mão de Deus e submetido aos seus conselhos, porém, o desejo de Deus é de encontrar pessoas que o adorem em Espírito e em verdade, não por força, mas pelo convencimento de seu Espírito, e por convencimento, não se entende como uma hipnose que leva alguém a crer no que foi imposto, ou usando uma linguagem mais teológica, em uma graça irresistível, e sim uma relação dialogal com o outro mostrando a verdade e necessidade da vivência de suas proposições.

Assim se dá uma relação de alteridade, Deus quando convida o homem a se arrepender, a escolher e a vigiar, leva em consideração a alteridade – a vivência pessoal do outro, por isso convida e não força, por isso chama e não carrega a força; busca através da graça aproximar o outro para si mesmo a fim de que todos sejam um no Pai, em perfeita comunhão, momento em que a alteridade se submergirá na unidade(3) – e, enfim será aniquilada a separação originária.

Lailson Castanha
______
(1)Works Of Arminius Vl. 3
(2)Ibid
(3) 1 Coríntios 15.28
Gravura: recorte do afresco de Michelangelo no Teto da Capela Sistina realizado entre os anos 1508 e 1512 no Vaticano.

7 comentários:

  1. Graça e paz, mu irmão!

    Acabei de adicioná-lo à lista de sites recomendados pelo Palavra que liberta

    Formidável a exposição dos fundamentos do Arminianismoclássico em seu blog.

    Muito obrigado pelo precioso trabalho em publicá-los. Tem me edificado muito.

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  2. Companheiro George, saúde.

    Fico feliz em poder contribuir com meus irmãos arminianos. Sinta-se a vontade para imprimir suas ideias a respeito dos textos publicados.

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  3. Olá irmão,A paz do Senhor Jesus,estou criando um blogger com narração de textos,quero pedir a permissão do irmão para estar pegando seus textos,narrando eles e colocando em meu blogger,não para fins lucrativos,é somente para edificação do povo de Deus,sem mais.Obrigado!

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  4. Companheiro João Carlos, saúde.

    Disponibilizo os textos com satisfação. Fique a vontade.
    Para qualquer ajuda adicional,que esteja ao meu alcance, pode contar com minha colaboração.

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  5. obrigado,vou comprar um microfone,e começar a narrar,qualquer coisa entro em contato com você.
    obrigado.

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  6. Saúde, companheiro João Carlos.

    Gostei de sua iniciativa.
    Faço questão de conhecer o seu empreendimento.

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  7. obrigado,tenho que aprender a editar os áudios,se você souber alguma coisa,ficarei grato com sua ajuda,o Blog é:osmelhoressermoes.blogspot.com

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Como Jacobus Arminius acredito que: "As Escrituras são a regra de toda a verdade divina, de si, em si, e por si mesmas.[...] Nenhum escrito composto por Homens, seja um, alguns ou muitos indivìduos à exceção das Sagradas Escrituras[...] está isento de um exame a ser instituído pelas Escrituras. É tirania, papismo, controlar a mente dos homens com escritos humanos e impedir que sejam legitimamente examinados, seja qual for o pretexto adotado para a tal conduta tirânica." (Jacobus Arminius) - Contato: lailsoncastanha@yahoo.com.br

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