Passaram-se séculos e séculos, e na mesma movimentação gerações e gerações também passaram. Nesta passagem história muitíssimas ideias foram engendradas e admitidas, como também, posteriormente rejeitadas.
Na era clássica, considerada o apogeu da razão, em terras gregas, nasce a filosofia. As primeiras movimentações racionais, tidas como articulações do pensamento lógico foram registradas naquele lugar e momento histórico. Na ambiência grega, no período clássico, foram registrados os problemas que os homens começavam a levantar, problemas esses frutos de mentes reflexivas, que pediam soluções racionais. Por soluções racionais, podemos entender como: soluções buscadas a partir de ponderações da mente humana, distanciando-se de respostas místicas reducionistas, ou presas nos costumes e nas tradições.
Os primeiros filósofos como Tales, Anaxímenes e Anaximandro de Mileto, bem como Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia buscavam entender a origem das coisas, em palavras comuns, como surgiu o mundo, do que ele foi formado e qual a sua substância fundamental. Questões do Ser e do Devir foram também tratadas, respectivamente por Parmênides e Heráclito, que também aborda a noção de Lógos. Em Sócrates, e posteriormente, com Platão e Aristóteles outras questões foram levantadas, como: política, ética, conhecimento, fundamento da realidade, constituição, características e atributos humanos, arte, essência, contingência, além do início das coisas, entre outras. Os três grandes filósofos citados influenciaram as gerações posteriores, e tiveram os seus pensamentos como pressupostos para os sistemas de ideias que se formariam, tanto que os grandes pensadores do período helênico como os grandes filósofos religiosos medievais tiveram como base para suas filosofias, Sócrates Platão e Aristóteles. Os pré-socráticos Parmênides e Heráclito, também exerceram muita influências na mente dos filósofos posteriores
Fora da Grécia, até mesmo antes de sua da era clássica, também foram registradas muitas agitações do pensamento humano resultando na criação de muitas questões. Por exemplo, as Escrituras Judaicas, narram as indagações do Eclesiastes, atribuída a Salomão, sobre questões da existência como: temporalidade/finitude, o problema da vaidade, injustiça, sabedoria e ignorância entre outras. Nas mesmas escrituras, o problema do mal e da aparente ausência da justiça, são problematizadas no livro do profeta Habacuque. Vemos questões semelhantes nos Salmos, no livro de Jó, e em outros profetas bíblicos.
Voltando a historia Ocidental, a existência, atributos e ação de Deus, passam a ser exaustivamente cogitadas. Na Idade Média, desde o seu início no século IV, com Santo Agostinho, Deus passa a ser problematizado. Os filósofos cristãos, já tendo como pressuposto, a ideia de Deus como regente do universo, herdada da precedente tradição patrística dos primeiros anos da era Cristã, passaram a conjecturar a ideia de Deus, atribuindo-lhes características, estudando atributos tidos como seus e explicando supostas determinações, motivações e decretos divinos, além de tentar explicar o seu ser. A partir deste momento histórico, a filosofia passa a trabalhar ao lado da teologia tendo entre seus maiores articuladores filósofos religiosos, como, o já citado Santo Agostinho (cristão), Santo Anselmo (cristão), Abelardo (cristão),
Averróis (muçulmano), Avicena (muçulmano), Maimônides (judeu), São Tomás de Aquino (cristão). Esses filósofos, além de tratar questões metafísicas, trataram também de questões existenciais, mesmo que pautando suas ideias em realidades ontológicas. Entre essas abordagens, talvez a mais importante seja a questão da liberdade. Afinal, existe livre-arbítrio humano, ou Deus, absolutamente determina tudo?
Num outro momento, na Renascença,(XIII – XVII), talvez mais firmemente no século XV, o homem procurou reavivar a atitude racional, ou seja, a atitude do livre pensar. Esse ato foi uma reação contra o pensamento medieval, preso em pressupostos dogmáticos, que por tal característica, impediam o homem de pensar livremente. Essa tomada de posição favoreceu a empresa científica – que passou a engendrar e alcançar grandes inventos e descobertas. Talvez, Pico della Mirandola (1463-1494), foi o grande impulsionador desse novo momento, quando publicou o seu Discurso sobre a Dignidade do Homem. A renascença patenteou-se como a era da razão e do humanismo.
A era da razão, teve como grande representante o filósofo francês René Descartes (1596—1650). Com o sua cérebre afirmação Cogito Ergo Sun, apresentou a razão, como primazia do saber. O inglês Francis Bacon (1561—1626), por propor a reforma do conhecimento e com isso inaugurando um novo modelo epistemológico, que deu origem a ciência moderna, também foi um nome de grande importância. O advento da Reforma iniciada no século XVI com a tese defendida por Lutero de que o homem podia, por si só, interpretar as Escrituras, sem o auxílio dos bispos da igreja, revigorou ainda mais o sentimento de liberdade e valor humano mesmo não intentando tal fim.
Na esteira humanista figuras como Erasmo de Rotterdã (1446-1536), Luis de Molina (1535-1600) se destacam. Entre suas teses estavam a da liberdade humana, mesmo diante da grandeza de Deus. Em outras palavras, o humanismo defendido por esses filósofos assentava-se na ideia de que a soberania de Deus não eliminava a liberdade do Homem.
Apesar da época, e de seus contornos humanistas, o dogmatismo não deixa de mostrar sua força. O próprio Lutero, outrora defensor da livre interpretação bíblica, lança ataques odiosos contra Erasmo por conta de sua posição favorável a ideia do livre arbítrio. O ranço teológico se acentuou ainda mais, com as pressuposições teológicas de Calvino (1509-1564), principalmente em sua noção de predestinação e eleição. Para ele, Deus absolutamente predestina o homem para salvação ou para danação, sem nenhuma relação com suas ações. Para o homem, ser caído, vítima do pecado original, não restava nada, a não ser se submeter à eleição ou reprovação incondicional de Deus. O pensamento calvinista, a despeito da ambiência renascentista, começa a se tornar intolerante. O teólogo holandês Jacobus Armínius (1560-1609), foi uma das figuras mais atacada pela intolerância calvinista. Defendendo a condicionalidade nos juízos de Deus, a saber, salvação para os que escolhem o seu filho, e danação para os que o rejeitam, foi duramente perseguido por partidários do calvinismo, tendo que, em boa parte de sua vida manifestar seus sentimentos a respeito de questões controversas. Em um dos seus escritos, numa atitude defensiva, procura mostrar que seus sentimentos, além de estar em harmonia com as Escrituras, são corroborados pelos escritos de várias autoridades eclesiásticas, entre elas, alguns pais da igreja, incluindo Santo Agostinho (354-430) em alguns pontos, e São Tomás de Aquino (1225-1274).
Não foi só o pensamento calvinista que se tornou um peso para os filósofos e teólogos de tradição liberal renascentista. Outros ramos religiosos também perseguiram os livres pensadores, dentre eles, o catolicismo com sua inquisição, o judaísmo e o islamismo. A indisposição judaica em admitir livres pensadores tratou o filósofo Baruch de Spinoza (1596-1650) com muita hostilidade. Dantes, tendo sua família perseguida pela inquisição católica, por conta de suas raízes judaicas, fora posteriormente, duramente perseguido e rejeitado pelos judeus, pelo fato de divergir com o conceito de Deus defendido pala tradição judaica, apresentando um Deus ligado a todas as coisas.
Mais tarde um clérigo britânico, adepto do anglicanismo John Wesley (1703-1791), luta por reformas sociais na recém industrializada Inglaterra, que incluiu, entre suas propostas a reforma trabalhista, reforma carcerária, reforma educacional e a abolição da escravatura. Além de se engajar pelas reformas sociais, assumiu a até então vilipendiada teologia arminiana, tendo escrito um texto em defesa do arminianismo e contra a intolerância antiarmiana. Wesley foi o primeiro clérigo a assumir a teologia arminiana. Ademais, foi de sua inspiração que nasceu a Igreja Metodista, pois Wesley, apesar de anglicano procurou viver uma espiritualidade mais intensa, e na vivência dessa espiritualidade incitou um grande avivamento na Inglaterra que inflamou os cristão a se preocuparem com a pessoas ostracizadas da sociedade, pessoas que o meio religioso em que vivia não se importava ou simplesmente ignorava. A Igreja Metodista nasceu como fruto de seu engajamento em prol de uma nova espiritualidade.
No devenir histórico o homem procura o esclarecimento, busca arduamente as luzes da razão. Esse é o espírito do iluminismo (vigoroso no século XVIII), que na ideia de Kant, inauguraria um novo momento na humanidade, em que o homem sairia da menoridade para a maioridade, rejeitaria o hábito de simplesmente acatar ideias alheias, para pensar de maneira autônoma.
Com John Locke (1632-1704), e seu principio liberal, e Dave Hume (1711-1776) e seu empirismo cético, as sociedades pouco a pouco foram se desvencilhando do predomínio do pensamento dogmático, passando a exercer a sua liberdade de pensamento. A assertiva de George Berkeley (1685-1753) de que se o que conhece nada mais é que um feixe de sensações, e que a totalidade do real apenas é percebida por Deus, abriu espaço para que o homem se afastasse das ideias dogmaticamente formatadas – já que, do que se observa, nada se sabe fundamentalmente.
Com a bandeira da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, as barreiras da intolerância, se não foram totalmente suprimidas, foram diminuídas. Nomes como: John Locke (1632-1704) defensor do estado liberal, Voltaire (1694-1778), defensor da liberdade das ideias e crítico da mesquinhez religiosa; Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que incitou o homem a buscar a liberdade no Estado; Montesquieu (1689-1755), que formulou a divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; e Immanuel Kant(1724-1804) que defendeu a necessidade de o homem buscar o esclarecimento, a fim de passar da menoridade para a maioridade, para ser capaz de fazer uso de seus próprios juízos; foram os grandes filósofos do iluminismo.
Se as preocupações dos homens foram se alterando, novos problemas também foram surgindo. Na contemporaneidade, problemas como trabalho, alienação do homem, liberdade, existência, crise civilizatória e pessoa humana; angústia, absurdidade e falta de sentido da vida, ganham contornos expressivos. Søren Kierkegaard (1813 – 1855) rejeitando a estática filosofia hegeliana do Espírito Universal, levanta o problema da existência – com isso a vida passa a ser interpretada como algo dinâmico, e não como ideias determinadas, como partes componentes de um espírito universal absoluto. Também acusou a igreja visível de estar esvaziada de Deus. Depois do filósofo dinamarquês, a questão da existência e do problema do homem enquanto ser existente, esteve envolvida em quase todos os grandes debates filosóficos. A chamada de atenção aos problemas existenciais foi tão forte, que chegou a invadir outros espaços da produção intelectual. A literatura reproduziu o tema, que invadiu também as dependências da religião. Se Kierkegaard levantou o problema da existência, e da angústia do homem envolvido num mundo que não compreende, o alemão Karl Marx (1818 —1883) outro grande e influente pensador, ainda no âmbito da existência, tratou a questão das necessidades materiais do homem existente. Em torno do problema das preocupações existenciais e suas contingências, filósofo, literatos e religiosos foram problematizando e desenvolvendo várias questões, sempre tendo no homem a sua preocupação central. Problemas como o desespero humano, angústia, ansiedade, alienação do homem diante da natureza e do trabalho, despersonalização do homem civilizado, entre outros, foram exaustivamente discutidas em vários círculos intelectuais. Filósofos, teólogos e literatos como: Dostoiévski (1821-1881), Nietzsche (1844-1900), Franz Kafka (1883-1924), Paul Tillich (1886-1965, Gabriel Marcel (1889-1973), Graciliano Ramos (1892-1953), Reinhold Niebuhr (1892–1971), André Malraux (1901-1976), Emmanuel Mounier (1905-1950), J-P.Sartre (1905-1980), Albert Camus (1913-1960), abordaram esses temas com pertinácia e inquietude. Com Tillich a teologia entra nas questões da existência buscando também dialogar com a cultura com o fim de promover uma comunicação da teologia com a sociedade. Advogava que a teologia não pode estar fechada em si mesma, ela deve interagir com a existência e suas demais formas a fim de conhecer os problemas que se apresentam Com ele, as tradições eclesiásticas são tratadas como símbolicas. Tratando questões do transcendente, mas presas em nossa finitude, os ritos e os termos religiosos com a carga expressiva que carregam, são colocados na categoria de símbolo. Defende que Deus não está preso em normas e padrões eclesiásticos, e age inclusive, em variadas manifestações culturais. Mounier por sua vez, reclama da religião desencarnada, e procura instaurar uma civilização personalista e comunitária, onde a pessoa tenha espaço para atualizar a sua vocação, deixando de ser tratada como uma mera coisa. Em relação ao cristianismo, defendia que os valores deveriam ser encarnados, não apenas proferido, a semelhança do lógos que se fez carne, todo o cristão deveria encarnar a palavra que crê e não apenas parolar. Já Reinhold Niebuhr (1892–1971) tratando do problema da falta de controle ético, entendia que isto é um problema desencadeado pela quase que total secularização da sociedade, principiada pelo intenso avanço das ciência físicas e a falta de capacidade de os cristãos ajustar os interesses éticos e espirituais da humanidade em relação a ciência que avança .
Num simplório passeio pela historia do pensamento percebemos a pluralidade de conceitos e ideias que a razão engendrou e que ainda cria.
A história ainda não acabou e nos convida a participar desse intenso debate com o fim de conhecer a verdade, ou chegar o mas perto dela possível. Hoje vivemos um grande problema, não fazemos jus a nossa condição de seres racionais, estamos acomodados nas ofertas do entretenimento fácil e confortável. A televisão e demais mídias estão a nos iludir com informações rasteiras e superficiais. Estas informações, acomodam nosso espírito, enfraquecendo nossa disposição em procurar a verdade e o conhecimento.
Será que não temos mais motivo de encontrar o conhecimento? Será que o que conhecemos já nos basta?
Pelo contrário, muitas questões ainda não foram solucionadas. Problemas éticos, religiosos, filosóficos, teológicos, psicológicos, pedagógicos e sociológicos, só para citar alguns, ainda precisam ser tratados. Não chegamos a maioridade como previa Kant, ainda eufórico e excitado pelo iluminismo. Se não chegamos ainda a era do esclarecimento, devemos parar? Devemos nos resignar? De forma alguma. Como afirmou Jesus, “vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa”.
A mente humana deve ser usada para iluminar as nossas ações, para desvendar a natureza, para levantar problemas e solucionar os problemas que se levantam. Sem problemas levantados não existiriam as respostas a esses problemas. Muito do que já sabemos, são frutos de respostas a problemas levantados por mentes inquietas, mentes que levaram a sério sua vocação de alumiar as trevas da ignorância.
Assim como há trigo, há também o joio, da mesma forma, fazendo-se verdadeiro, existe o falso. Na mesma linha lógica, transvestida de razão está a loucura. Mas qual seria a diferença entre elas? como poderíamos detectar a loucura, já que se apresenta como razão? Me aproveitando da sabedoria de Jesus de Nazaré, com ele, respondo: pelos seus frutos os conhecereis. Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons. Portando a medida entre o falso e o verdadeiro esta na prova de seus frutos.
Qualquer sistema de ideias que não consegue entrar em sintonia com a razão, não pode ser considerado válido. Os loucos também se pautam em seus sistemas, mas como já disse alguém que não me recordo, são sistemas fechados em seu próprio mundo, não conseguindo servir como respostas a nenhuma questão fora de seus limites particulares, apenas, na mente isolada de tal mente demente.Todas as suas impressões são respostas de seu mundo particular que as tem como definitivas. Daí perguntamos: fora do limite da mente demente, seu sistema de ideias pode responder satisfatoriamente qualquer questão racional?
A mesma indagação deve ser colocada sobre qualquer sistema de ideias, ou seja, o tal sistema pode responder racionalmente as questões que se apresentam na minha existência, ele pode apresentar respostas satisfatórias ou pelo menos respostas racionais? Se o sistema apresenta um amaranhado de ideias que entram em choque com os próprios termos que utiliza, considere-o como insatisfatório, e como tal inapropriado. As contradições sistêmicas quase que em sua maioria invalida o projeto sistemático, principalmente quando se trata de questões fundamentais. Assim sendo, procure os caminhos que os sistemas indicam, se te levarem a satisfação racional, não que isso já seja a resposta definitiva, pode ser considerado, ou ao menos ser comparado com outros sistemas. O perfeito sistema racional tem que se sustentas diante das questões que se apresentam.
A razão humana nunca foi capaz de banir a ação da loucura. Mesmo nas mentes que produziram maravilhosos edifícios da razão, a loucura encontrou espaço para agir e agir de forma engenhosa. As inquisições, violentas perseguições, criadas para satisfazer as exigências dogmáticas frutos de teorias teológicas ou frutos de particulares sistemas filosóficos ou até mesmo de interpretações pessoais, são grandes exemplo que a luz da razão muitas vezes se enfraquece diante da obstinada e poeirenta loucura humana.
A razão muitas vezes, deu espaço para a loucura. Ainda hoje, por exemplo, nos diversos debates teológicos, em nome de dogmas, religiosos se agridem para defender a linha teológica que adotam, políticos não dialogam por conta da bandeira ideológica que ostentam, pessoas se distanciam de seus próximos por diferenças étnicas, sociais, religiosas e nacionais. Diante desse quadro pesaroso, uma proposta se levanta. Que tal usarmos a nossa razão e com ela tentarmos resolver o problema da loucura que vez por outra domina a mente dos homens que se deixam tomar pela vaidade de seus projetos e de suas escolhas?
Ainda há muito o que fazer em prol da razão e do conhecimento, ficaremos parados diante de tal demanda? Nos acomodaremos diante dos confortos do não pensar e da indiferença? Ou nos engajaremos na empresa do pensamento a fim de construirmos sistemas que cada vez mais encurrale a loucura em estreitos espaços, e por consequência, cada vez mais conquiste espaço para a ação da razão humana? Nos inspiraremos nos bons exemplos que nos precederam, ou ficaremos estáticos diante da ignorância que nos rodeia?
Seremos racionais ou viveremos como loucos presos em pequenos e fechados sistemas particulares de ideias que nada de edificante tem a transmitir para a sociedade humana?
Na era clássica, considerada o apogeu da razão, em terras gregas, nasce a filosofia. As primeiras movimentações racionais, tidas como articulações do pensamento lógico foram registradas naquele lugar e momento histórico. Na ambiência grega, no período clássico, foram registrados os problemas que os homens começavam a levantar, problemas esses frutos de mentes reflexivas, que pediam soluções racionais. Por soluções racionais, podemos entender como: soluções buscadas a partir de ponderações da mente humana, distanciando-se de respostas místicas reducionistas, ou presas nos costumes e nas tradições.
Os primeiros filósofos como Tales, Anaxímenes e Anaximandro de Mileto, bem como Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia buscavam entender a origem das coisas, em palavras comuns, como surgiu o mundo, do que ele foi formado e qual a sua substância fundamental. Questões do Ser e do Devir foram também tratadas, respectivamente por Parmênides e Heráclito, que também aborda a noção de Lógos. Em Sócrates, e posteriormente, com Platão e Aristóteles outras questões foram levantadas, como: política, ética, conhecimento, fundamento da realidade, constituição, características e atributos humanos, arte, essência, contingência, além do início das coisas, entre outras. Os três grandes filósofos citados influenciaram as gerações posteriores, e tiveram os seus pensamentos como pressupostos para os sistemas de ideias que se formariam, tanto que os grandes pensadores do período helênico como os grandes filósofos religiosos medievais tiveram como base para suas filosofias, Sócrates Platão e Aristóteles. Os pré-socráticos Parmênides e Heráclito, também exerceram muita influências na mente dos filósofos posteriores
Fora da Grécia, até mesmo antes de sua da era clássica, também foram registradas muitas agitações do pensamento humano resultando na criação de muitas questões. Por exemplo, as Escrituras Judaicas, narram as indagações do Eclesiastes, atribuída a Salomão, sobre questões da existência como: temporalidade/finitude, o problema da vaidade, injustiça, sabedoria e ignorância entre outras. Nas mesmas escrituras, o problema do mal e da aparente ausência da justiça, são problematizadas no livro do profeta Habacuque. Vemos questões semelhantes nos Salmos, no livro de Jó, e em outros profetas bíblicos.
Voltando a historia Ocidental, a existência, atributos e ação de Deus, passam a ser exaustivamente cogitadas. Na Idade Média, desde o seu início no século IV, com Santo Agostinho, Deus passa a ser problematizado. Os filósofos cristãos, já tendo como pressuposto, a ideia de Deus como regente do universo, herdada da precedente tradição patrística dos primeiros anos da era Cristã, passaram a conjecturar a ideia de Deus, atribuindo-lhes características, estudando atributos tidos como seus e explicando supostas determinações, motivações e decretos divinos, além de tentar explicar o seu ser. A partir deste momento histórico, a filosofia passa a trabalhar ao lado da teologia tendo entre seus maiores articuladores filósofos religiosos, como, o já citado Santo Agostinho (cristão), Santo Anselmo (cristão), Abelardo (cristão),
Averróis (muçulmano), Avicena (muçulmano), Maimônides (judeu), São Tomás de Aquino (cristão). Esses filósofos, além de tratar questões metafísicas, trataram também de questões existenciais, mesmo que pautando suas ideias em realidades ontológicas. Entre essas abordagens, talvez a mais importante seja a questão da liberdade. Afinal, existe livre-arbítrio humano, ou Deus, absolutamente determina tudo?
Num outro momento, na Renascença,(XIII – XVII), talvez mais firmemente no século XV, o homem procurou reavivar a atitude racional, ou seja, a atitude do livre pensar. Esse ato foi uma reação contra o pensamento medieval, preso em pressupostos dogmáticos, que por tal característica, impediam o homem de pensar livremente. Essa tomada de posição favoreceu a empresa científica – que passou a engendrar e alcançar grandes inventos e descobertas. Talvez, Pico della Mirandola (1463-1494), foi o grande impulsionador desse novo momento, quando publicou o seu Discurso sobre a Dignidade do Homem. A renascença patenteou-se como a era da razão e do humanismo.
A era da razão, teve como grande representante o filósofo francês René Descartes (1596—1650). Com o sua cérebre afirmação Cogito Ergo Sun, apresentou a razão, como primazia do saber. O inglês Francis Bacon (1561—1626), por propor a reforma do conhecimento e com isso inaugurando um novo modelo epistemológico, que deu origem a ciência moderna, também foi um nome de grande importância. O advento da Reforma iniciada no século XVI com a tese defendida por Lutero de que o homem podia, por si só, interpretar as Escrituras, sem o auxílio dos bispos da igreja, revigorou ainda mais o sentimento de liberdade e valor humano mesmo não intentando tal fim.
Na esteira humanista figuras como Erasmo de Rotterdã (1446-1536), Luis de Molina (1535-1600) se destacam. Entre suas teses estavam a da liberdade humana, mesmo diante da grandeza de Deus. Em outras palavras, o humanismo defendido por esses filósofos assentava-se na ideia de que a soberania de Deus não eliminava a liberdade do Homem.
Apesar da época, e de seus contornos humanistas, o dogmatismo não deixa de mostrar sua força. O próprio Lutero, outrora defensor da livre interpretação bíblica, lança ataques odiosos contra Erasmo por conta de sua posição favorável a ideia do livre arbítrio. O ranço teológico se acentuou ainda mais, com as pressuposições teológicas de Calvino (1509-1564), principalmente em sua noção de predestinação e eleição. Para ele, Deus absolutamente predestina o homem para salvação ou para danação, sem nenhuma relação com suas ações. Para o homem, ser caído, vítima do pecado original, não restava nada, a não ser se submeter à eleição ou reprovação incondicional de Deus. O pensamento calvinista, a despeito da ambiência renascentista, começa a se tornar intolerante. O teólogo holandês Jacobus Armínius (1560-1609), foi uma das figuras mais atacada pela intolerância calvinista. Defendendo a condicionalidade nos juízos de Deus, a saber, salvação para os que escolhem o seu filho, e danação para os que o rejeitam, foi duramente perseguido por partidários do calvinismo, tendo que, em boa parte de sua vida manifestar seus sentimentos a respeito de questões controversas. Em um dos seus escritos, numa atitude defensiva, procura mostrar que seus sentimentos, além de estar em harmonia com as Escrituras, são corroborados pelos escritos de várias autoridades eclesiásticas, entre elas, alguns pais da igreja, incluindo Santo Agostinho (354-430) em alguns pontos, e São Tomás de Aquino (1225-1274).
Não foi só o pensamento calvinista que se tornou um peso para os filósofos e teólogos de tradição liberal renascentista. Outros ramos religiosos também perseguiram os livres pensadores, dentre eles, o catolicismo com sua inquisição, o judaísmo e o islamismo. A indisposição judaica em admitir livres pensadores tratou o filósofo Baruch de Spinoza (1596-1650) com muita hostilidade. Dantes, tendo sua família perseguida pela inquisição católica, por conta de suas raízes judaicas, fora posteriormente, duramente perseguido e rejeitado pelos judeus, pelo fato de divergir com o conceito de Deus defendido pala tradição judaica, apresentando um Deus ligado a todas as coisas.
Mais tarde um clérigo britânico, adepto do anglicanismo John Wesley (1703-1791), luta por reformas sociais na recém industrializada Inglaterra, que incluiu, entre suas propostas a reforma trabalhista, reforma carcerária, reforma educacional e a abolição da escravatura. Além de se engajar pelas reformas sociais, assumiu a até então vilipendiada teologia arminiana, tendo escrito um texto em defesa do arminianismo e contra a intolerância antiarmiana. Wesley foi o primeiro clérigo a assumir a teologia arminiana. Ademais, foi de sua inspiração que nasceu a Igreja Metodista, pois Wesley, apesar de anglicano procurou viver uma espiritualidade mais intensa, e na vivência dessa espiritualidade incitou um grande avivamento na Inglaterra que inflamou os cristão a se preocuparem com a pessoas ostracizadas da sociedade, pessoas que o meio religioso em que vivia não se importava ou simplesmente ignorava. A Igreja Metodista nasceu como fruto de seu engajamento em prol de uma nova espiritualidade.
No devenir histórico o homem procura o esclarecimento, busca arduamente as luzes da razão. Esse é o espírito do iluminismo (vigoroso no século XVIII), que na ideia de Kant, inauguraria um novo momento na humanidade, em que o homem sairia da menoridade para a maioridade, rejeitaria o hábito de simplesmente acatar ideias alheias, para pensar de maneira autônoma.
Com John Locke (1632-1704), e seu principio liberal, e Dave Hume (1711-1776) e seu empirismo cético, as sociedades pouco a pouco foram se desvencilhando do predomínio do pensamento dogmático, passando a exercer a sua liberdade de pensamento. A assertiva de George Berkeley (1685-1753) de que se o que conhece nada mais é que um feixe de sensações, e que a totalidade do real apenas é percebida por Deus, abriu espaço para que o homem se afastasse das ideias dogmaticamente formatadas – já que, do que se observa, nada se sabe fundamentalmente.
Com a bandeira da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, as barreiras da intolerância, se não foram totalmente suprimidas, foram diminuídas. Nomes como: John Locke (1632-1704) defensor do estado liberal, Voltaire (1694-1778), defensor da liberdade das ideias e crítico da mesquinhez religiosa; Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que incitou o homem a buscar a liberdade no Estado; Montesquieu (1689-1755), que formulou a divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; e Immanuel Kant(1724-1804) que defendeu a necessidade de o homem buscar o esclarecimento, a fim de passar da menoridade para a maioridade, para ser capaz de fazer uso de seus próprios juízos; foram os grandes filósofos do iluminismo.
Se as preocupações dos homens foram se alterando, novos problemas também foram surgindo. Na contemporaneidade, problemas como trabalho, alienação do homem, liberdade, existência, crise civilizatória e pessoa humana; angústia, absurdidade e falta de sentido da vida, ganham contornos expressivos. Søren Kierkegaard (1813 – 1855) rejeitando a estática filosofia hegeliana do Espírito Universal, levanta o problema da existência – com isso a vida passa a ser interpretada como algo dinâmico, e não como ideias determinadas, como partes componentes de um espírito universal absoluto. Também acusou a igreja visível de estar esvaziada de Deus. Depois do filósofo dinamarquês, a questão da existência e do problema do homem enquanto ser existente, esteve envolvida em quase todos os grandes debates filosóficos. A chamada de atenção aos problemas existenciais foi tão forte, que chegou a invadir outros espaços da produção intelectual. A literatura reproduziu o tema, que invadiu também as dependências da religião. Se Kierkegaard levantou o problema da existência, e da angústia do homem envolvido num mundo que não compreende, o alemão Karl Marx (1818 —1883) outro grande e influente pensador, ainda no âmbito da existência, tratou a questão das necessidades materiais do homem existente. Em torno do problema das preocupações existenciais e suas contingências, filósofo, literatos e religiosos foram problematizando e desenvolvendo várias questões, sempre tendo no homem a sua preocupação central. Problemas como o desespero humano, angústia, ansiedade, alienação do homem diante da natureza e do trabalho, despersonalização do homem civilizado, entre outros, foram exaustivamente discutidas em vários círculos intelectuais. Filósofos, teólogos e literatos como: Dostoiévski (1821-1881), Nietzsche (1844-1900), Franz Kafka (1883-1924), Paul Tillich (1886-1965, Gabriel Marcel (1889-1973), Graciliano Ramos (1892-1953), Reinhold Niebuhr (1892–1971), André Malraux (1901-1976), Emmanuel Mounier (1905-1950), J-P.Sartre (1905-1980), Albert Camus (1913-1960), abordaram esses temas com pertinácia e inquietude. Com Tillich a teologia entra nas questões da existência buscando também dialogar com a cultura com o fim de promover uma comunicação da teologia com a sociedade. Advogava que a teologia não pode estar fechada em si mesma, ela deve interagir com a existência e suas demais formas a fim de conhecer os problemas que se apresentam Com ele, as tradições eclesiásticas são tratadas como símbolicas. Tratando questões do transcendente, mas presas em nossa finitude, os ritos e os termos religiosos com a carga expressiva que carregam, são colocados na categoria de símbolo. Defende que Deus não está preso em normas e padrões eclesiásticos, e age inclusive, em variadas manifestações culturais. Mounier por sua vez, reclama da religião desencarnada, e procura instaurar uma civilização personalista e comunitária, onde a pessoa tenha espaço para atualizar a sua vocação, deixando de ser tratada como uma mera coisa. Em relação ao cristianismo, defendia que os valores deveriam ser encarnados, não apenas proferido, a semelhança do lógos que se fez carne, todo o cristão deveria encarnar a palavra que crê e não apenas parolar. Já Reinhold Niebuhr (1892–1971) tratando do problema da falta de controle ético, entendia que isto é um problema desencadeado pela quase que total secularização da sociedade, principiada pelo intenso avanço das ciência físicas e a falta de capacidade de os cristãos ajustar os interesses éticos e espirituais da humanidade em relação a ciência que avança .
Num simplório passeio pela historia do pensamento percebemos a pluralidade de conceitos e ideias que a razão engendrou e que ainda cria.
A história ainda não acabou e nos convida a participar desse intenso debate com o fim de conhecer a verdade, ou chegar o mas perto dela possível. Hoje vivemos um grande problema, não fazemos jus a nossa condição de seres racionais, estamos acomodados nas ofertas do entretenimento fácil e confortável. A televisão e demais mídias estão a nos iludir com informações rasteiras e superficiais. Estas informações, acomodam nosso espírito, enfraquecendo nossa disposição em procurar a verdade e o conhecimento.
Será que não temos mais motivo de encontrar o conhecimento? Será que o que conhecemos já nos basta?
Pelo contrário, muitas questões ainda não foram solucionadas. Problemas éticos, religiosos, filosóficos, teológicos, psicológicos, pedagógicos e sociológicos, só para citar alguns, ainda precisam ser tratados. Não chegamos a maioridade como previa Kant, ainda eufórico e excitado pelo iluminismo. Se não chegamos ainda a era do esclarecimento, devemos parar? Devemos nos resignar? De forma alguma. Como afirmou Jesus, “vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa”.
A mente humana deve ser usada para iluminar as nossas ações, para desvendar a natureza, para levantar problemas e solucionar os problemas que se levantam. Sem problemas levantados não existiriam as respostas a esses problemas. Muito do que já sabemos, são frutos de respostas a problemas levantados por mentes inquietas, mentes que levaram a sério sua vocação de alumiar as trevas da ignorância.
Assim como há trigo, há também o joio, da mesma forma, fazendo-se verdadeiro, existe o falso. Na mesma linha lógica, transvestida de razão está a loucura. Mas qual seria a diferença entre elas? como poderíamos detectar a loucura, já que se apresenta como razão? Me aproveitando da sabedoria de Jesus de Nazaré, com ele, respondo: pelos seus frutos os conhecereis. Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons. Portando a medida entre o falso e o verdadeiro esta na prova de seus frutos.
Qualquer sistema de ideias que não consegue entrar em sintonia com a razão, não pode ser considerado válido. Os loucos também se pautam em seus sistemas, mas como já disse alguém que não me recordo, são sistemas fechados em seu próprio mundo, não conseguindo servir como respostas a nenhuma questão fora de seus limites particulares, apenas, na mente isolada de tal mente demente.Todas as suas impressões são respostas de seu mundo particular que as tem como definitivas. Daí perguntamos: fora do limite da mente demente, seu sistema de ideias pode responder satisfatoriamente qualquer questão racional?
A mesma indagação deve ser colocada sobre qualquer sistema de ideias, ou seja, o tal sistema pode responder racionalmente as questões que se apresentam na minha existência, ele pode apresentar respostas satisfatórias ou pelo menos respostas racionais? Se o sistema apresenta um amaranhado de ideias que entram em choque com os próprios termos que utiliza, considere-o como insatisfatório, e como tal inapropriado. As contradições sistêmicas quase que em sua maioria invalida o projeto sistemático, principalmente quando se trata de questões fundamentais. Assim sendo, procure os caminhos que os sistemas indicam, se te levarem a satisfação racional, não que isso já seja a resposta definitiva, pode ser considerado, ou ao menos ser comparado com outros sistemas. O perfeito sistema racional tem que se sustentas diante das questões que se apresentam.
A razão humana nunca foi capaz de banir a ação da loucura. Mesmo nas mentes que produziram maravilhosos edifícios da razão, a loucura encontrou espaço para agir e agir de forma engenhosa. As inquisições, violentas perseguições, criadas para satisfazer as exigências dogmáticas frutos de teorias teológicas ou frutos de particulares sistemas filosóficos ou até mesmo de interpretações pessoais, são grandes exemplo que a luz da razão muitas vezes se enfraquece diante da obstinada e poeirenta loucura humana.
A razão muitas vezes, deu espaço para a loucura. Ainda hoje, por exemplo, nos diversos debates teológicos, em nome de dogmas, religiosos se agridem para defender a linha teológica que adotam, políticos não dialogam por conta da bandeira ideológica que ostentam, pessoas se distanciam de seus próximos por diferenças étnicas, sociais, religiosas e nacionais. Diante desse quadro pesaroso, uma proposta se levanta. Que tal usarmos a nossa razão e com ela tentarmos resolver o problema da loucura que vez por outra domina a mente dos homens que se deixam tomar pela vaidade de seus projetos e de suas escolhas?
Ainda há muito o que fazer em prol da razão e do conhecimento, ficaremos parados diante de tal demanda? Nos acomodaremos diante dos confortos do não pensar e da indiferença? Ou nos engajaremos na empresa do pensamento a fim de construirmos sistemas que cada vez mais encurrale a loucura em estreitos espaços, e por consequência, cada vez mais conquiste espaço para a ação da razão humana? Nos inspiraremos nos bons exemplos que nos precederam, ou ficaremos estáticos diante da ignorância que nos rodeia?
Seremos racionais ou viveremos como loucos presos em pequenos e fechados sistemas particulares de ideias que nada de edificante tem a transmitir para a sociedade humana?
Lailson Castanha
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