sábado, 24 de janeiro de 2009

Teologia alegórica.

Podemos afirmar com segurança que o ser-humano é um ser especial, mais rico e importante de qualquer outro ser existente no planeta, pois as Escrituras corrobora essa afirmação.
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O ser humano é diferenciado por ser um ser “racional e moral”. Um ser que não se limita aos instintos, mas por ser racional, extrapola, criando e transformando as coisas para o seu conforto.
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Como peculiaridade desse ser, temos a linguagem. Ou seja, o homem se comunica de forma diversificada, hora se expressa de forma direta, hora de forma alegórica ou tipológica. Independente das formas, o homem se comunica racionalmemente; com isso queremos dizer, que sua expressão tem uma razão de ser.
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Parte do que o homem conhece, advém da comunicacão exercida por meio da linguagem. O homem através da linguagem adquire um conhecimento por vezes adequado e por vezes inadequado.
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Platão, através do mito da caverna, já destacava o distanciamento existente entre o conhecimento vulgar, e o verdadeiro conhecimento. A exemplo dos habitantes da caverna alegórica, os homens, em sua maioria, vive as sombras, e todo e conhecimento que tem das coisas que os cercam, não passam de sombras, ícones, ou quando muito, não passam de realidades parciais.
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O grande problema, é que os tipos visualizados são interpretados, pela grande maioria dos homens como realidades dadas, por isso se conformam, achando deter o verdadeiro conhecimento.
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Platão, interpretando a alegoria da caverna, distingue o conhecimento em vários estágios.
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O primeiro e mais baixo estado do conhecimento é o estado de EIKASIA, quando o homem acredita que a imagem da imagem é o que é, por si mesmo existente.
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O segundo estado de conhecimento, é o estado de PISTIS, quando o homem avança do primeiro estágio, mas se contenta em acreditar que os objetos reais são a totalidade da verdade.
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O terceiro é o estado de DIÁNOIA, que é o estado de intelecção e de reflexão, em que o homem se desprende da aparência, e, pode chegar até o quarto estado, que é o estado de pura razão, estado de NONSIS.
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Quando o homem está nos dois primeiros estados do conhecimento, ele se encontra no campo da DOXA, ou seja, no campo da opinião, mas, quando o homem avança para a DIÁNOIA ou já se encontra no estado de NONSIS, ele está no campo da EPSTEME – do verdadeiro conhecimento, da pura ação.
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Quando estudamos teologia, vemos a abordagem tratada por Platão ganhar corpo.
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Podemos ver o homem se apegando aos ícones do estado de PISTIS como coisas reais, como coisas em-si, observando por exemplo, a interpretação dada à Romanos 9 pelos calvinistas, principalmente no enfoque do vaso e do oleiro.
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O que seria uma alegoria, ganhou literalidade, ao ponto de se tratar o homem realmente como um vaso, destituido de razão e Deus a um Oleiro, impossibilitado de relação com o homem-vaso. O que seria uma alegoria ilustrativa, dada como resposta aos judaizantes, que não admitiam que os gentios recebecem a extensão da graça de Deus, para eles apenas dada aos filhos da promessa patriarcal, se transformou, na exegese calvinista numa realidade dada.
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O mesmo erro dos judeus, que interpretaram a salvação apenas no limite legal de sua lei, é repetido, só que agora, os filhos da promessa evocados pelos judaizantes, são os, na abordagem calvinista eleitos incondicionais, ou os vasos de misericórdia. Assim como para os judaizantes, o privilégio de receber as bênçãos Deus se restringia a eles, e consequentemente tratavam os gentios como um povinho, impossibilitado de serem abençoados pelo Altíssimo. No calvinismo a salvação é restrita absolutamente aos eleitos incondicionais e a reprovação aos absolutamente reprovados incondicionais ou “vasos da ira”.
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Se vaso é uma imagem da imagem - EIKASIA, não é real em-si, só faz sentindo quando ele nos leva a observar o objeto na qual ele ilustra. Destarte, o homem verdadeiro não é um vaso, e deve ser tratado e entendido de modo diferenciado. Deus também não é um oleiro. O oleiro da alegoria é apenas um espectro de alguém muito mais dinâmico, que tem poder de criar e se relacionar, e não se limita a empresa de criar e destruir. Destrói um vaso como alguém que reprova, e aproveita outro vaso como alguém que aprova.
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O homem não é um vaso, na alegoria, o vaso como ilustração, tem o propósito de destacar o homem como alguém inferior ao seu criador, que não conhece com propriedade a realidade das coisas que o cercam. Um vaso é destruido devido a alguma falha percebida pelo criador e é aprovado devido a algum bem destacado pelo oleiro. Quando é tratado como um vaso para a ira, significa que foi levado em conta, pelo oleiro as escolha e contigências de sua vida.
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A imagem da imagem, deve ser tratada como tal, jamais podemos dar vida própria a elas, pelo simples fato delas não a terem.
É tão real o fato de terem as alegorias o seu limite, que o povo sendo tratados como vaso, em contraponto são tratados como povo - gente/pessoas. O apóstolo Paulo afirma que, Deus suportou com muita paciência os vasos da ira, não desferindo sua ira em tempo inoportuno. Fica claro nesta expressão que o tratamento é dinâmico relacional, não-estático, Deus suporta os vasos da ira, os vasos que lhe desagradam, com muita paciência – por outro lado, só lhe desagradam porque fugiram do propósito do oleiro, de ser um bom vaso. Se o próprio Deus criasse um vaso para ser destruido, este vaso alcansando o seu intento, lhe daria prazer, porque foi feito segundo o modelo proposto pelo oleiro.
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Os vasos de misericórdia são os que agradaram o criador, segundo a graça que lhes foi concedida. Se o primeiro exemplo, sendo tratado pelo mesmo oleiro foram dispensados, saindo da alegoria e indo para o próprio objeto do escritor da epístola, podemos afirmar, que não se entregaram de forma devida aos cuidados da graça. O segundo exemplo, são os que efetivamente se entregaram aos cuidados da graça, por isso foram aprovados por Deus.
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A mesma dinâmica se refere aos vasos de honra e de desonra que cito a seguir: "Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?"(Rm.9.21).
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Estes enquanto alegoria são vasos, e são usados apenas para ilustrar que é Deus que determina o limite existencial dos homens. Vejamos que a mesma figura usada em outro texto, os vasos podem mudar de posição ou de graduação significando que sua posição é determinada condicionalmente por Deus, como bem nos indica o texto:
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"Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra"( 2Tm.2.20,21.).
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Outra idéia de relação entre Deus e os homens, mesmo os que na alegoria são os vasos de misericórdia está na ressalva da paciência de Deus como garantia da salvação, eliminando a hipótese do tratamento monológico de Deus com a humanidade. "(...) tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada;" (2Pe.3.15).
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Se apropriando mais uma vez do diagrama da linha usado para explicar degraus do conhecimento, podemos falar que o homem preso no campo da DOXA, entre PISTIS e EIKASIA, jamais entenderá o conhecimento elevado da EPSTEME em seu mais alto grau, na NONSIS ou pura razão. Esta era a difilcudade dos judaizantes em entender as ações de Deus em relação as promessas pactuais e a extensão da graça ao povo gentílico.
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Vamos propor uma visita a outras alegorias bíblicas, que nos mostrarão a dinâmica de uma relação de condicionalidade entre Deus e o homens, já se apropriando das assertivas bíblicas que nos levam a crer que Deus , "recompensará cada um segundo as suas obras; a saber: A vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, honra e incorrupção; Mas a indignação e a ira aos que são contenciosos, desobedientes à verdade e obedientes à iniqüidade; Tribulação e angústia sobre toda a alma do homem que faz o mal; primeiramente do judeu e também do grego; Glória, porém, e honra e paz a qualquer que pratica o bem; primeiramente ao judeu e também ao grego; Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas." (Rm.2.6-11).
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Estas alegorias dismistificam a relação estática entre Deus e os homens, defendido pelos grupos que estendem a vida das elegorias do vaso do oleiro fora de seu contexto. Vejamos:

"AGORA cantarei ao meu amado o cântico do meu querido a respeito da sua vinha. O meu amado tem uma vinha num outeiro fértil. E cercou-a, e limpando-a das pedras, plantou-a de excelentes vides; e edificou no meio dela uma torre, e também construiu nela um lagar; e esperava que desse uvas boas, porém deu uvas bravas. Agora, pois, ó moradores de Jerusalém, e homens de Judá, julgai, vos peço, entre mim e a minha vinha. Que mais se podia fazer à minha vinha, que eu lhe não tenha feito? Por que, esperando eu que desse uvas boas, veio a dar uvas bravas? Agora, pois, vos farei saber o que eu hei de fazer à minha vinha: tirarei a sua sebe, para que sirva de pasto; derrubarei a sua parede, para que seja pisada;
(...)Porque a vinha do SENHOR dos Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta das suas delícias; e esperou que exercesse juízo, e eis aqui opressão; justiça, e eis aqui clamor."( Is.5.1-5-7)
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A mesma dinâmica relacional-condicional pode ser percebida na próxima alegoria:
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"E disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho. Corta-a; por que ocupa ainda a terra inutilmente?E, respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque;E, se der fruto, ficará e, se não, depois a mandarás cortar."(Lc.13.6,9).
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Fica claro que estas alegorias indicam uma relação condicional entre Deus e os homens, que de nehuma forma entra em choque com as alegorias do vaso e do oleiro que tem outro enfoque, destacando a pequenês do homem diante da grandesa de Deus – sendo que este age com propriedade de causa e o homem pela sua finitude não está apto a questioná-lo, por estar preso ao limite de conhecimento aparente.
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Se Deus usou como instrumento as alegorias que indicavam uma relação de condicionalidade entre Deus e os homens devemos levá-las a sério, da mesma forma que devemos enterder através da alegoria do vaso e do oleiro que Deus é soberano em suas escolhas – pois é ele que conhece a verdade das coisas, agindo com propriedade em tudo o que faz e determina.
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Lailson Castanha

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