sábado, 24 de janeiro de 2009

Rejeições históricas a intolerância de Calvino.

Sabemos que a paixão é cega. Quando somos levados por um tipo de paixão, com os seus acertos poderemos acertar, e, com os seus erros que permeiam a vaidade da paixão, fatalmente erraremos.
Não é diferente o que acontece com a “paixão dogmática”. Com ela, zelamos pelos grandes fundamentos doutrinários, e por ela, também, agredimos outros grandes e não menos importantes fundamentos doutrinários.
Podemos perceber claramente esta realidade na ambiência calvinista. Com o dogma inscrito na mente dos discípulos de Calvino, aspectos doutrinários da Bíblia são defendidos com afinco, como por exemplo – a “Soberania do Altíssimo”. Mas, por outro lado, pelo dogma, ou a favor dele, outros aspectos das doutrinas bíblicas são simplesmente ignoradas - como, por exemplo, a misericórdia e a tolerância, que são disposições de corações que tem o amor como preceito primaz.
Por parte da maioria dos partidários do calvinismo, tem-se como aceitável a expulsão dos anabatitas como Hermann de Gerbihan e Benoît d'Anglen, da cidade de Genebra bem como os seus seguidores, e a execução de Servetus, a mando de João Calvino. Eu já ouvi, inclusive, crente diminuindo o peso deste pecado, pecado de homicídio e de intolerância, apresentando-o como normal, porque, segundo o tal, a ação brutal por parte de Calvino e seus partidários, estava em sintonia com o Zeitgeist (Espírito da época).
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Buscando orientação na história, percebi, que esta idéia se tratava de uma falácia, e que a expulsão de religiosos que professavam outro credo e, principalmente a execução de Servetus, foi tida como cruel e descabida, inclusive para os contemporâneos da “República de Genebra”.
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O francês, Sebastian Castellion (1515-1553), um contemporâneo de João Calvino se manifestou contra ele publicando um livro sobe o pseudônimo de Martinus Bellius, atacando a intolerâcia de Calvino demonstrada com muita clareza no sistema despótico que implantou em Genebra.
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Este livro defende o primado da conciência, acima do zelo dogmático. Pelo fato de ser livre a conciência, não era razoável executar pessoas, mesmo que as tais não professassem a mesma fé.
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Castellion afirmou: “Buscar e dizer a verdade, tal e como se pensa, não pode ser nunca um delito. Nada se deve obrigar a crer. A consciência é livre”.
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Contra a intolerância religiosa, e a favor da liberdade religiosa, asseverou: “que os judeus ou os turcos não condenem os cristãos, e que tampouco os cristãos condenem os judeus ou aos turcos... e nós, os que nos chamamos cristãos, não nos condenemos tampouco a uns e a outros... Uma coisa é certa: que quanto melhor conhece um humano à verdade, menos inclinado está a condenar".
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Ele preferiu tratar os hereges, como “aqueles em que não estão de acordo com a nossa opinião”.
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Seu livro “Sobre os hereges", De herectis an sint persequendi”, foi traduzido secretamente para o castelhano pelo Espanhol Casiodoro de Reina (1520-1594).
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A tradução da obra de Sebastian Castellion, foi mais uma prova que a intolerância do despotismo de João Calvino, já cheirava mal em sua própria época – sendo tratada como algo extranho a razão e ao espírito cristão.
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O que motivou Casiodoro de Reina traduzir a obra de Castellion, foi o mal estar gerado pelo o que ele viu em Genebra. Para ele, um discidente católico convertido, adepto ao protestantimo, a ação de Calvino, eliminando Servetus e expulsando os anabatistas, relembrava a inquisição católica.
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Reina nutria a mesma inquietação e sentimento de repulssa ao calvinismo intolerante expresso no livro de Castelion, e foi por isso que ele o traduziu para a sua lingua nativa.
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Sentimento como este declarado por Castelion em sua reação contra o assassínio de Servetus: “Matar um homem não é defender uma doutrina, é matar um homem." Quando os genebrinos executaram Servetus, não defenderam uma doutrina, mataram um ser humano; não prova a sua fé queimando um homem, como fazendo-se queimar para ela” - era o mesmo que nutria a mente de Reina.
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O sentimento anti-intolerante, fez com que Casiodoro de Reina, além de traduzir a obra de Castellion, escrevesse um livro contra a inquisição católica-espanhola. Em seu livro, “Algumas artes da Santa Inquisição espanhola” adotou o pseudônimo de Reginaldus Gonsalvius Montanus.
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Tanto Sebastian Castellion, como Casidoro de Reina tinham aderido as idéias do protestantismo.
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É importande deixar claro, que Casidoro de Reina não defendia as idéias de Servetus, pois ele era um trinitariano convicto ao passo que Servetus era unitarista.
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A adesão por parte dos dois contestadores de Calvino ao protestantismo, é mais uma prova de que a rejeição as práticas impostas pelos calvinistas, era de cunho realmente moral, não política. Realmente tinham como insurportável e entendiam ser anti-cristã, a prática de matar em nome do dogma.
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É de Sebastian Castellion a assertiva que aqueles que matam em nome do dogma, enganam-se a si mesmos. Os tais são piores do que aqueles na qual desejam converter.
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A ação de Sebastian Castellion, de lutar em favor da tolerância repercute até a contemporâneidade. Ele foi relembrado pelo judeu/autríaco Stefan Zweig (1881-1942). Zweig faleceu no Brasil, na cidade de Petrópolis.
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Em seu livro “Castellion contra-Calvino" – uma consciência contra a violência”, presta homenagem a Castellion, considerando-o como um verdadeiro herói, por lutar contra a força despótica e dominante, a favor da liberdade da consciência - a favor da liberdade pessoal de fazer escolhas. Olhando por outro prisma, é uma rejeição a intolerância – já que Zweig, como judeu, foi vitima da intolerância nazista, a exemplo de Castellion, foi um grande opositor a intolerância despótica.
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Depois de tantas vozes contra a vil intolerância, não seria mas sensato, e porque não dizer, mais cristão – fazermos uma reflexão sobre os erros atrozes do passado, afim de que não venhamos a cair nos mesmos?
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Realmente, seria mais interessante, ao invés de defendermos e copiarmos, (mesmo que em menor intensidade) as atrocidades produzida pelo excesso de paixão pelo dogma, rejeitarmos os erros históricos, para que a partir disto, venhamos a escrever um novo tempo, na qual, diferenças intelectivas não sejam sempre interpretadas como agressão a pureza da ortodoxia, e as discordâncias dogmática/doutrinárias, sejam recebidas como pontos de vista, que podem ser usados como provadores da consistência do dogma assumido.
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2 comentários:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=If24hicv1yw&feature=player_embedded
    com certeza é uma das lições aprendidas na escola arminiana

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  2. Saúde Luilton.

    As ideias retratadas no vídeo por você destacado são muito superficiais e caricatas, apesar de acertar em algumas questões, em sua maioria não corresponde a crítica arminiana contra o calvinismo. Porém, respeito a sua veia humorística, apesar do equívoco.

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