quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O livre-arbítrio em São Bernardo

O livre-arbítrio em São Bernardo (Bernardo de Claraval)

por Luis de Molina

33. São Bernardo define esta mesma liberdade do arbítrio em seu Tractatus degratia et libero arbitrio (Tratado da Graça e do Livre-Arbítrio). Aqui, entre outras coisas, disse: “O criador singularizou a criatura com esta prerrogativa de dignidade, para que do mesmo modo que Ele age com pleno direito, assim também, em certa maneira, a criatura racional pode agir com pleno direito, na medida em que, somente por própria vontade se torne mal e receba castigo com justiça, ou permaneça bondosa e com justiça alcance salvação, porém, não porque sua própria vontade lhe basta para alcançá-la, senão porque, sem sua vontade, não poderia alcançá-la de nenhuma maneira. Certamente, ninguém alcança a salvação sem desejá-la. Pois o que lemos no Evangelho: ninguém vem a mim, salvo que meu pai me o traga (Jo 6.44); é o mesmo que lemos em outra passagem: obriga a entrar; e nada o impede. Com efeito, sejam quantos sejam todos aqueles ao que o benigno Pai – que quer todos os homens se salvem (1TM 2.4) – parece obrigar ou trazer a salvação, porém, só considera digno de salvação aqueles dos que sabe que a desejam por sua própria vontade. Sem dúvida, quando atemoriza e golpeia, o que pretende é que desejem salvar-se por sua própria vontade e não salvá-los de maneira obrigatória; assim pois, quando muda a vontade do malvado para que faça o bem, modifica sua liberdade, porém não a suprime. Um pouco depois demonstra que nem sempre se traz alguém obrigado, pois o cego se traz, porém ele também o quer; assim foi como São Paulo chegou de mão em Damasco (At 9.8); e a esposa pede leva-me após ti (Ct1.4). E em seu Sermão 81 in Cantica, disse: “o livre arbítrio é algo divino que refulge na alma como a pedra preciosa no ouro. Graças a essa liberdade a alma tem conhecimento do juízo e a opção de escolher entre o bem e o mal, assim como entre a vida e a morte, também entre a luz e as trevas; e em caso de que haja mais coisas que apelar confrontadamente entre si e os hábitos da alma, ela sempre será, como um olho, como um censor e árbitro que discerne e julga entre elas; e do mesmo modo que é arbitro para discernir, também será livre para escolher entre elas. Por isso chamamos de livre arbítrio, porque pode escolher entre elas segundo o arbítrio da vontade. Por essa razão, o homem pode agir meritoriamente*. Pois com razão elogiamos e censuramos todo bem ou mal que alguém faz, quando é livre para não fazê-lo; do mesmo modo que com justiça elogiamos, não tanto alguém que pode fazer o mal e não faz, senão alguém que pode não fazer o bem e o faz, assim também, faz mal tanto aquele que, podendo não fazer o mal, o faz. Com efeito, se não há liberdade, não há mérito.

Tradução: Lailson Castanha
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Fonte:

Concordia del libre arbitriocon los dones de la gracia y con lapresciencia, providencia, predestinación y reprobación divinas. Comentarios al artículo 8 de la cuestión 14 ¿Es la ciencia de Dios causa de las cosas?
Traducción de Juan Antonio Hevia Echevarría de Luis de Molina, Concordia del libre arbítrio.


Obs: *Não devemos interpretar os termos ação meritória, mérito (merecimento) apenas no aspecto positivo. Quando São Bernardo afirma: “Com efeito, se não há liberdade, não há mérito.”; ele não só enfoca que na ausência da liberdade qualquer galardão, elogio ou louvor seriam termos vazios, sem sentido. Implicitamente, faz-nos perceber também, que, na aceitação de um possível esvaziamento de qualquer merecimento, por conseguinte, deve-se aceitar que sem a liberdade, a reprovação também não faz sentido, pois, a ideia de reprovação desassociada da ideia de liberdade, também, torna-se um termo esvaziado de sentido.

Gravura: Bernardo de Claraval (São Bernardo)