sábado, 27 de novembro de 2010

Relação de alteridade.

Relação de Alteridade.

Em um relacionamento saudável uma das principais buscas é a comunhão entre os relacionistas. Busca-se a comunhão porque existe a distância originária ou a separação originária. A união é a procura do estabelecimento de uma unidade de ideais. Jamais podemos pensar em união eliminando a idéia de separação, ou seja, pensar em união é admitir a realidade da distância originária – o próprio sentido do termo indica a admissão da distância, senão, porque unir-se a alguém? – que por unir alguma coisa? - por que juntar?

Quando falamos em união envolvendo seres racionais jamais podemos admitir uma união sem admissão mútua. Admitir união sem mútuo consentimento é aceitar a redução do ser racional a categoria de objeto, pois apenas as coisas objetivantes são juntadas sem a necessidade de admissão ou de desejo. Quando falamos em união entre seres racionais, uma palavra de forte significação deve vir-nos a tona. Não entendemos efetivamente o significado de união entre seres de razão sem entender o significado de alteridade. Pensar em união, sem admitir a realidade da alteridade é cometer o equivoco de reduzir pessoas a objetos, é confundir uma relação de aproximação mútua com uma colagem artificial coisificante e arbitrária.

Deus é o ser de razão por excelência, como seres humanos, fomos criados a partir de sua razão -, com nossa razão nos assemelhamos a aspectos de sua imagem. Como ser de razão o ser humano ama, expressa sentimentos, cria, e é pessoal, em outras palavras, é uma pessoa que se distingue de outra, que em muito se aproxima, mas que também nutre algumas peculiaridades. Deus é amor em plenitude, em uma palavra, é um ser pleno. Somos distintos de Deus porque Deus é um-Outro, um não-eu. Por outro lado, a aliança proposta por Deus existe porque existe essa alteridade, ou seja, porque existe a concretude do outro, a admissão da existência do outro – não sou Deus e muito menos Deus me é.

Deus criador criou o homem em sua alteridade, como um ser concretamente outro. Sua criação é feliz quando se relaciona com esse criador em amor, quando se apraz em estar junto a Ele, pois estar junto a Deus é estar junto ao Bem Maior, estar afastado de Deus é estar afastado do Bem Maior.

Em sua alteridade Deus e considerando a alteridade do homem Deus não elege o homem a vivência de uma relação de maneira absolutamente predeterminista, nem rejeita uma aproximação nos mesmos moldes; crer em uma aproximação absolutamente determinista é não crer na alteridade de Deus nem na alteridade do homem. Se Deus é outro e o homem também o é, lembrando que são seres de razão, logo qualquer aproximação ou religação, ou também rejeição, como também um completo afastamento só pode acontecer como resposta pessoal a um chamado ou como negação. Determinar qualquer relação sem resposta é determinar uma ligação coisificante e objetivante.

As Escrituras mostram-nos uma maneira diferente de Deus se relacionar com o ser humano, diferente daquelas que alguns círculos dogmáticos protestantes tentam demonstrar. Percebe-se em várias passagens o homem fazendo o que Deus não gostaria que ele fizesse, escolhendo coisas e tomando posições por Deus consideradas reprováveis, porém, apesar da reprovação explicita, mesmo assim, Deus não impede que o homem se distancie de seu desejo, ou, em outras palavras, não siga a sua vontade. O que isso pode significar? Fica claro que Deus não se relaciona com o homem da maneira em que nós nos relacionamos com um objeto. Com um objeto nós manipulamos para cumprir determinadas funções que lhe designamos. Se o objeto não serve, logo o jogamos fora. Os calvinistas gostam de comparar o homem a um objeto e Deus a um objetivador. Deus como aquele que se relaciona com o objeto, como aquele que tem metas traçadas para aquele objeto e o homem simplesmente como o objeto a ser usado e escolhido para a tal meta, e como objeto, usado ou reprovado de maneira indiferente ao seu desejo ou a sua aplicação, para isso, se fixam na alegoria do oleiro e do vaso de barro citada pelo apóstolo Paulo em Romanos 9. Essa apropriação indevida esta ligada a alguns problemas, um deles é porque os que interpretam esse texto como indicando um Deus determinista deixam de observar as fontes escrituristicas que o apóstolo citou. Se observarmos a fonte originária, no diálogo de Deus com Jeremias você pode perceber idéias como arrependimento. Naquela passagem, Deus diz ao profeta se a nação de Israel se arrependesse não seria quebrada, portanto, não se percebe uma a fria e impessoal relação objetivante-objeto . Quanto ao texto de Paulo, a asserção do apóstolo se dá em direção aos homens que, ostentando o título de Judeus não aceitam a sua condição, em direção a eles é que o apóstolo se apropria da alegoria do vaso e do oleiro. Sobre essa questão Jacobus Arminius tem uma excelente expicação, que creio se harmoniza com a forma holística em que as escrituras nos apresentam Deus e sua relação com os homens, vejamos:

Nós devemos agora ver como aquelas coisas que nós atribuímos a Deus naquelas aplicações devem ser compreendidas; a saber, isto “Ele pode fazer da raça humana, fazer vaso para honra e outro a desonra, um homem para receber misericórdia, e outro para ser endurecido pela sua vontade irresistível." A palavra "poder" utilizada aqui, significa não a capacidade, mas o direito e a autoridade. É ejxousi>a não um du>namiv. Por isso, o assunto nesta passagem, não é o poder absoluto pelo qual Ele é capaz de fazer qualquer coisa, mas a razão pela qual é lícito que ele deva fazer qualquer coisa. (1)

Depois Arminius continua:

Deus não fez o homem, que só poderia ser aquilo que ele foi feito, mas, que ele poderia tender a maior perfeição. Também não acho que Deus em Sua própria bondade foi satisfeito, quando ele tinha se comunicado a Si mesmo ao homem, como seu criador, mas glorificou-se a si mesmo, mas, Ele quis comunicar-se ainda mais para o homem, como também "o glorificador do homem;" e que isto poderia ser possível se Ele o dotasse, não só com sua natureza, mas também com dons sobrenaturais. Mas a justiça prescreveu a regra e a medida desta comunicação, a saber, que deveria ser feito só com a condição de que o homem deva viver conforme a imagem divina, na obediência às ordens de Deus, e, desde que se ele pode ser exaltado, ele também pode ser subjugado, — e nada é mais justo de que subjugá-lo, se ele abusar dos dons, que pelo uso direito dos tais ele poderia ser exaltado a mais alta dignidade. (2)

Aqui vemos a alteridade. O homem ou nação feito vaso para desonra, ou honra, recebe misericórdia ou é endurecido, porque Deus levando em consideração os desígnios pessoais desse homem ou os costumes de cada nação levou cada homem ou nação à vivência dos frutos que semeou. Ou seja, deu a cada um segundo as suas obras. No caso da nação Israelita, Deus fez um pacto que pelos israelitas foi quebrado, a quebra desse pacto levou a nação ser desonrada e endurecida. Apesar de escolher uma nação para honra para que essa o honrasse, Deus não impediu que essa nação o desonrasse com os seus atos.

Arminius também nos leva a pensar que a resposta positiva do homem a Deus levaria a si mais honra, e, portanto, o estado de desonra em que vive o homem está relacionado diretamente com a resposta negativa que o próprio homem em sua alteridade direciona a Deus, na liberdade de ser distintamente um outro.

O estado ideal em que o homem se encontra é debaixo da potente mão de Deus e submetido aos seus conselhos, porém, o desejo de Deus é de encontrar pessoas que o adorem em Espírito e em verdade, não por força, mas pelo convencimento de seu Espírito, e por convencimento, não se entende como uma hipnose que leva alguém a crer no que foi imposto, ou usando uma linguagem mais teológica, em uma graça irresistível, e sim uma relação dialogal com o outro mostrando a verdade e necessidade da vivência de suas proposições.

Assim se dá uma relação de alteridade, Deus quando convida o homem a se arrepender, a escolher e a vigiar, leva em consideração a alteridade – a vivência pessoal do outro, por isso convida e não força, por isso chama e não carrega a força; busca através da graça aproximar o outro para si mesmo a fim de que todos sejam um no Pai, em perfeita comunhão, momento em que a alteridade se submergirá na unidade(3) – e, enfim será aniquilada a separação originária.

Lailson Castanha
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(1)Works Of Arminius Vl. 3
(2)Ibid
(3) 1 Coríntios 15.28
Gravura: recorte do afresco de Michelangelo no Teto da Capela Sistina realizado entre os anos 1508 e 1512 no Vaticano.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Doutrina do Livre Arbítrio. Igreja Metodista

Igreja Metodista - Doutrinas

4. Livre Arbítrio

Introdução

Se houve uma doutrina que causou grande discussão e criou barreiras de comunicação entre muitos e grandes pensadores cristãos do passado foi a questão de poder ou não o ser humano determinar o seu próprio destino, exercendo, o que se convencionou chamar em linguagem teológica, o seu livre arbítrio.

Muitos foram os ódios que esta discussão acendeu em virtude, porém, de esforços sinceros tanto de um lado quanto de outro, que buscavam de igual modo manter uma concepção adequada e bíblica a respeito de Deus e de seu amor. Que creram os metodistas a respeito disso?

Textos Bíblicos:

• João 1:14-18: o texto mostra como Jesus, deixando sua glória, fez-se ser humano para revelar o amor de Deus a nós. Ele se esvaziou de seu poder, livremente, sem imposição.

• Romanos 6:1-4: se morremos para o pecado, ele não tem mais domínio sobre nós. Com nova vida em Cristo andamos dirigidos por sua Graça. A vontade de Cristo passa a ser a nossa vontade.

• Efésios 2:8-10 e Tito 3:4-7: Deus nos dá a possibilidade da salvação através de sua Graça: é um dom, um presente que Ele nos oferece. Resta-nos receber esse presente. Nenhum esforço nosso, nem obras, nem sacrifícios, poderiam nos salvar, se Deus nada fizesse.

a - Que Aconteceu ao Ser Humano? Criado para a perfeição, para responder a Deus da maneira mais adequada e imediata, descobre-se o ser humano impotente para poder escolher.
A experiência de Paulo, descrita em Rm 7:15 em diante, não lhe foi única. Através dos tempos a mesma frustração tem levado os homens e as mulheres, judeus ou gregos, cristãos ou pagãos, a sentirem a sua incapacidade de afirmar a sua própria vontade: "não faço o que prefiro e sim o que detesto... O querer o bém está em mim, não porém o efetuá-lo."

A resposta que os hebreus deram a esta situação de decadência foi a criação perfeita do primeiro ser humano, seguida de sua desobediência à vontade de Deus, o que determinou todo um processo de desordem no universo, em contradição entre ele e Deus, entre ele e seu próximo e dentro de si mesmo. Esta dualidade de vontades em choque dentro da personalidade humana, foi caracterizada por Paulo como uma luta que se deve travar entre a carne e o espírito, o princípio decadente e a ansiedade de fazer a vontade de Deus, ambos presentes simultaneamente no ser humano.

O fato é, porém, indiscutível. O ser humano não tem a capacidade real de escolher entre o bem e o mal e de permanecer do lado da virtude. Wesley diz que o ser humano perdeu o seu livre arbítrio natural. Entre os artigos de religião da Igreja da Inglaterra havia um que Wesley incluiu entre os 24 que ele escolheu como padrão doutrinário dos Metodistas, como segue: "A condição do homem, depois da queda de Adão, é tal que ele não pode converter-se e preparar-se pelo seu próprio poder e obras, para a fé e invocação de Deus; portanto não temos forças para fazer obras agradáveis e aceitáveis a Deus sem a sua graça por Cristo, predispondo-nos para que tenhamos boa vontade e operando em nós quando temos essa boa vontade."

b - Até Que Ponto Podemos Escolher? É, porém, perfeitamente verificável pela experiência de cada dia que somos capazes de escolher em nossa vida as coisas que desejamos para nós e, ao mesmo tempo rejeitar as que não nos interessam. O senso de escolha não foi extirpado em nós.

Wesley dizia que não somente o ser humano pode escolher o agir ou deixar de agir, como pode também escolher entre duas formas diferentes de ação. "Negar isto, diz Wesley, seria negar a experiência constante de toda experiência humana. Todos sentem que têm um poder inerente de mover esta ou aquela parte de seu corpo, de movimentá-lo ou não, e de movimentá-lo deste ou daquele modo como for do seu agrado. E posso, conforme escolher (e assim todos os que são nascidos de mulher), abrir ou fechar meus olhos, falar ou calar-se, levantar-me ou sentar-me, estender minha mão ou escondê-la, usar qualquer dos meus membros conforme for do seu agrado bem como todo meu corpo".

Wesley também dizia que o ser humano era livre para escolher nas coisas de natureza indiferente. Nas coisas, porém, que envolviam questões morais sua tendência era sempre a de escolher para o mal. Dizia mesmo que a vontade do ser humano é, por natureza, livre apenas para o mal.

Entretanto, embora tivesse perdido todo o seu livre arbítrio natural em virtude da degeneração da raça pelo pecado, o ser humano, pela misericórdia de Deus, teve em si restaurada, até certo ponto, a capacidade de escolha. É o que poderíamos chamar de LIVRE ARBÍTRIO PELA GRAÇA. A Graça preventiva de Deus, na linguagem de Wesley, atuando sobre o coração do ser humano, recupera-lhe a possibilidade de responder positiva ou negativamente, aos apelos que o próprio Deus lhe faz.

A Graça dá assim ao ser humano a possibilidade de aceitar ou rejeitar esta mesma graça. A decisão, finalmente, é sua. É isto o que diz o Artigo de Religião, que afirma que a Graça de Deus em Cristo é que nos predispõe para que tenhamos a boa vontade de aceitar esta mesma graça. Quando, então, demonstramos esta boa vontade, a graça passa a operar em nós dando-nos então a possibilidade de praticar as boas obras que de outra forma nos seriam impossíveis.

c - Calvinismo e Arminianismo: João Calvino e Tiago Armínio são dois nomes que podem ser postos de pólos opostos, quando consideramos a questão da decisão humana na aceitação ou rejeição da graça de Deus.

Calvino, na Suíça, estabeleceu as linhas tradicionais da teologia reformada, rejeitando o catolicismo romano e demonstrando com argumentos bíblicos irrespondíveis que nehum ser humano tem méritos de si mesmo para alcançar a salvação, que é concedida ao ser humano por Deus em virtude de sua graça gratuita e imerecida, que promove a fé no coração.

Calvino procurou colocar Deus no seu devido lugar, como o Soberano e Supremo Criador de todas as coisas, que dirige e governa o mundo e os homens e mulheres. No desenvolvimento de sua teologia, entretanto, não encontrando explicação para o fato de que muitos seres humanos não aceitam o evangelho e fundamentando-se em certas passagens da Escritura, Calvino chegou à conclusão de que Deus predestinou alguns seres humanos para a salvação, operando em suas almas, por sua graça irresistível e levando-os à fé. A princípio Calvino nada afirmou a respeito dos demais, dos que não creram em Cristo. Posteriormente, porém, o desenvolvimento lógico de sua posição teológica o levou a admitir que Deus havia também predestinado a estes para a perdição.

Tiago Armínio, que nasceu na Holanda quatro anos antes da morte de Calvino, tornou-se pastor reformado em seu país e seguidor de perto das idéias calvinistas. Quando lhe pediram entretanto, que elaborasse uma tese para defender o calvinismo, especialmente no que diz respeito à predestinação, Armínio parou para pensar e concluiu que esta doutrina era incompatível com o testemunho total da Escritura. Ele concluiu que a exaltação do Criador exigia a liberdade do ser humano. "De suas mãos saíram um ser racional, feito espiritualmente à sua semelhança e não um autômato. Dotara-o com a capacidade de escolha e opção; fê-lo responsável pela consequência da escolha; deu-lhe disposições para conhecer a Deus e gozar a vida eterna... Admitida a predestinação absoluta, o livre arbítrio torna-se impossível, porque a vontade já se acha determinada em seu exercício. qualquer ordem dada a qualquer ser humano, nestas condições, é contra senso.

Confrontado com as duas posições, João Wesley não teve dúvidas: abraçou o arminianismo neste ponto, chegando mesmo a dar à publicação que fazia periodicamente para os metodistas o nome de A Revista Arminiana. "Sem a liberdade, diz Wesley, não pode haver mal nem bem, moralmente falando, virtude ou vício. A virtude não existe, a não ser quando um ser inteligente conhece, ama e escolhe o que é bom; nem existe o vício, a não ser onde um ser conhece, ama e escolhe o mal".

Qualquer doutrina que nega o livre arbítrio concedido pela graça de Deus já em operação no coração humano, destrói a possibilidade da compreensão humana e faz do homem e da mulher nada mais do que uma simples máquina, mera sombra daquilo que ele e ela na realidade são, trasformando-os em brinquedo de marionetes nas mãos de um tirano. E não é assim que Deus se relaciona conosco.
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Metodismo: Doutrinas - 4. Doutrina do Livre Arbítrio
Fonte:
http://remne.metodista.org.br/conteudo.xhtml?c=9727