domingo, 11 de abril de 2010

Soteriologia: simples interpretação ou interpretação complexa?

Entres os dois maiores ramos teológicos do protestantismo, há uma grande tensão, principalmente, em torno das interpretações soteriológicas. Os calvinistas, vanguardistas da teologia protestante, procurando reafirmar a sua interpretação, re-interpretam alguns trechos bíblicos tirando deles a simplicidade expositiva. Deixam de interpretar o texto de maneira simples passando a interpretá-los de forma complexa, e, como tal, carente de acréscimos argumentativos.
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Crendo na eleição como uma escolha excludente, a saber, uns escolhidos intrinsecamente por Deus para a danação e outros para a salvação, sem nenhuma relação com os seus atos e escolhas, não admitem a simplicidade expositiva e informativa de textos que indicam que a obra propiciatória de Cristo na Cruz teve como finalidade remir os pecados da humanidade, por entenderem que, se Deus intrinsecamente já criou alguns para a danação, não poderia intentar remir os pecados daqueles que já foram feitos para a ignomínia.
O problema é que, em sua simplicidade verbal, já trazendo em seu bojo uma transmissão completa de uma ideia, alguns desses textos bíblicos não admitem rearranjos de conjecturas interpretativas. Para corroborar nossa tese, usaremos como exemplo a seguinte assertiva de João:

E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.(1Jo 2.2).

Quando lemos essa afirmação, percebemos:

1. Que o texto é direcionado para um grupo de pessoas. Isso fica claro no uso do termo simples “nossos”.
2. Que a extensão da informação do texto não se refere apenas ao grupo que recebe a informação. A afirmação “e não somente pelos nossos” evidencia esse fato.
3. Em relação as pessoas que recebem a informação, fica claro que elas são pecadoras. Tanto que João fala ”nossos pecados”, se referindo ao grupo na qual se coloca como membro.
4. Esse grupo de pessoas são alvos de uma ação benévola de alguém (Cristo). “E ele é a propiciação pelos nossos pecados”.
5. Que o texto fala de um outro grupo. Isso fica fica claro no uso do termo composto “todo o mundo”.
6. Em relação a esse grupo, fica claro que também são pecadores. “ não somente pelos nossos [pecados], mas também pelos de todo o mundo.”
7. Esse grupo também é alvo da ação benévola de Cristo. Ele é a propiciação(...)também pelos [pecados]de todo o mundo.

Em relação ao texto joanino, nossa análise se propôs a esclarecer que a informação de João é simples e clara e nela não há nada de velado que necessite, para o seu desvelamento, de uma exegese sintética. Um texto simples pede uma exegese simples.

Usando a mesma proposta argumentativa, vamos a outro texto:

Porque para isto trabalhamos e lutamos, pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis.(1Tm 4.10)

No texto de Paulo direcionado a Timóteo, vemos também a proposta de Cristo em salvar a todos. Na afirmação do apóstolo, percebemos algumas ideias, a saber:

1. Que existe a possibilidade de salvação a todos os homens
2. Que existe relação de condicionalidade para o alcance da salvação: “[Salvador]principalmente dos fiéis”
3.Que o texto distingue algumas pessoas de um todo. Entre todos os homens, os fiéis são destacados.
4. As pessoas destacadas tem uma maior prioridade em relação ao todo.
5. Essa prioridade não elimina a extensão da salvação, pois apesar do reforço, principalmente dos fiéis, continua a afirmação, “salvador de todos os homens”.
6. Que os fiéis estão contidos no grupo de “todos os homens”.
7. Que o destaque “principalmente dos fiéis” que estão contido no grupo dos homens, demostra uma diferenciação entre homens e homens.
8. Que nessa diferenciação está implícita uma certa condição para a eficácia da obra salvadora de Deus.
9. Se a salvação de Deus fosse excludente a priori, Paulo não relacionaria em sua assertiva a expressão "Salvador de todos os homens".
10. Se não existisse condicionalidade nas escolhas de Deus, não existiria o reforço “principalmente” dos fieis, pois, sendo dupla a eleição, a frase correta seria salvador apenas dos escolhidos. Fidelidade seria apenas a consequência de quem Deus desejou que o escolhesse, portanto não seria necessário o acréscimo, “principalmente dos fiéis”.

Portanto, embora os calvinistas insistam em rejeitar a ideia de que a obra redentora de Crista visa beneficiar a totalidade da raça humana, os textos simples, escritos para as pessoas de simples entendimento, não escrito de maneira rebuscada, escritos de maneira direta, sem a necessidade de ser interpretado fora da lógica simples da qual se valem, deixam claro a todos, que o amor de Deus realmente foi direcionado a todo o mundo, embora a salvação só seja definitivamente alcançada por aqueles que crerem no amor de Cristo e se submeterem aos seus preceitos, como diz as Escrituras, também de maneira simples, “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.” (Mc 16.16)

Sobre as realidades descritas na Bíblia, devemos fazer nossas ponderações, através das informações transmitidas nas próprias Escrituras, direcionadas de forma simples, aos simples, levando-se em consideração a simplicidade de seu anúncio. Sobre elas e com isso em mente devemos refletir. Os comentários bíblicos não podem, de maneira alguma, invalidar, e nem deixar de levar em consideração, o poder que alguns textos tem de transmitir naturalmente suas ideias as pessoas comuns. Existem textos, que por sua clareza e explicitude, não carecem de nenhuma argumentação fora de sua estrutura linguística e comunicativa.

Observemos outro exemplo de simplicidade e objetividade comunicativa.

E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado;
Para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.
Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.
E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.
Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.
Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus.
(...)O Pai ama o Filho, e todas as coisas entregou nas suas mãos
Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece.
(Jo. 3.14-36).
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Fica-nos claro que, se a transmissão dessa mensagem for contaminada com conchavos hermenêuticos, com a perda de sua simplicidade comunicativa, perderá a sua finalidade, consequentemente fugindo da direção informativa proposta por seu autor.
Temos que ter cuidado em não extrair a qualidade do texto puro, qualidade de alcançar as mentes simples, pois, extraindo sua simplicidade através de argumentações não simples, diferentemente do que propõe a mensagem original, fatalmente nos desviaremos da finalidade do autor original, a saber, transmitir a ideia a qualquer pessoa através do contato direto com a mensagem pura, levando-as a dependência de interpretações complexas, fazendo-as, por conseguinte, fugirem da prática de analisar diretamente o texto sacro.

Lailson Castanha
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sexta-feira, 2 de abril de 2010

Sobre a predestinação, considerada no estado primordial DO HOMEM


Jacobus Arminius

9. Sobre a predestinação, considerada no estado primordial DO HOMEM

1. Não é uma afirmação verdadeira, que "fora dos homens considerados naturalibus puris, (com ou sem coisas sobrenaturais), Deus determinou, por decreto da eleição, elevar à felicidade sobrenatural, alguns homens em particular, mas, deixar outros in nature (na natureza) ".

490 2. E é precipitado afirmar que "pertence à relação ou analogia do universo, que alguns homens sejam colocados à direita e outros à esquerda, assim como o método do mestre construtor exige que algumas pedras sejam colocadas à esquerda, e outras à direita, de uma casa que está para ser construída."

3. A permissão pela qual qual Deus permite a alguns homens de se desviarem e perderem o fim sobrenatural, é insensatamente tornada subordinada a esta predestinação, porque pertence à providência dirigir e conduzir uma criatura racional à felicidade sobrenatural de uma forma que é agradável à natureza daquela criatura.

4.Também sobre a permissão, da qual Deus permitiu que nossos primeiros pais caíssem em pecado, é precipitado dizer que se subordina a essa predestinação.

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